domingo, novembro 01, 2009

Edgard Panão assinalou 10 anos como escritor com lançamento de nova obra



Edgard Panão comemorou esta semana o seu 10.º aniversário enquanto escritor com o lançamento da obra “Comentário - O outro lado da coisa”, com chancela das Edições MinervaCoimbra.

Neste livro, o Autor, num estilo fluente e raciocínios práticos, aborda não só os assuntos mais simples do quotidiano mas também os elevados temas religiosos, filosóficos, políticos e de antropologia geral e cultural do país no pós 25 de Abril de 1974. De uma forma isenta, objectiva e pedagógica, Edgard Panão propõe uma reflexão serena sobre aquele período.

A obra foi apresentada por Rui Veloso que revelou tratar-se de textos escritos há 25 anos e agora trazidos à luz. “Trata-se de artifício do autor para nos remeter para um tempo que lhe permita, através de um discurso sofrido, mostrar como se sentiu injustiçado por querer afirmar a sua liberdade e recusar as ideias de que discordava”.

Também António Barbosa de Melo, autor do prefácio da obra, refere que Edgar Panão "para desenvolver o seu pensamento, imagina uma série de «conferências democráticas» proferidas por «oradores de níveis aceitáveis com alguma dignidade de seres pensantes», que se movessem «naquele caos ideológico vigente», e elabora uma súmula ou resumo de cada conferência, rematando-a, como que em contraponto, com um comentário a cargo do mesmo personagem para todas as conferências. Nestes debates de razões e sem razões vem ao de cima muito da problemática política, social e económica do país no fim da década de setenta do século passado...".

Edgard Panão nasceu em Penela mas desde criança que vive em Miranda do Corvo. Foi professor liceal de Filosofia e História no Liceu José Estevão em Aveiro e no Liceu Nacional de Leiria, director e professor da Escola do Magistério Primário de Silva Porto (actual Kuito), Angola, responsável pelos Serviços de Educação em Dili, Timor, e director e professor da Escola do Magistério Primário de Aveiro.

Foi ainda vereador e presidente da Câmara Municipal de Estarreja.

Desde 1993, altura em que se reformou, que se dedica à investigação de índole histórica e a publicar alguns trabalhos, dos quais se destacam “O Moleiro Inteligente” (2000), “A reconstituição das famílias da freguesia de Salvador da vila de Miranda do Corvo” (2002), “Covseiro de Myranda” (2006), “Cartas a Ana de Leonardo” (2007), "Os Trautos de Miranda" (2008) e agora "Comentário - O outro lado da coisa" (2009), estes quatro últimos com chancela das Edições MinervaCoimbra.





















10.º Aniversário de Escritor

Era um dia como os outros aquele de Domingo de 02 de Dezembro de 1998; um amigo de longa data levou-me um livro seu cujo conteúdo era o Roteiro Religioso e Cultural dum Concelho; de tamanho assaz volumoso, era tão de farto de páginas e de fotografias como bem documentado sobre moradas de santos em suas capelas, ermidas, alminhas assinalando as respectivas festas religiosas e romarias. A apresentação desta obra estava marcada para daí a 6 dias num dia santo, no Auditório da Câmara Municipal.

Aceitei até porque o meu amigo não me ia admitir uma desculpa fosse de que natureza fosse!

Já tinha feito muitas apresentações de vários livros seus, mas sempre os tinha recebido a tempo suficiente para os ler e os apresentar, geralmente também em cenários menos cerimoniosos. Porém, tratava-se de uma situação especial porque era no dia da celebração do Centenário da Restauração daquele Concelho!

E a pré-visão sobre a assistência, formada pelos convidados tanto na mesa de honra como os da assistência adivinhava-se que era tudo gente extremamente seleccionada para o evento de tal importância! Logo que subi à mesa de honra pude avaliar isso pela compostura solene dos rostos hieráticos, fechados e pela notada ausência visível da cor branca que não fosse das paredes, a das camisas e dos dentes de risos intermitentes daqueles risos de circunstância que, normalmente fazem as pessoas simpáticas a tentar disfarçar que acabam de sair de um cochilo durante a sessão!

No final de minha outra apresentação, um amigo brasileiro tinha-me procurado para me perbanizar e dizer que a assistência estava “pérvia pra caramba!”. Pérvia? Sim, muito animada e receptiva como vocês cá dizem!

Só que aquela assembleia não tinha nada de pérvia, pelo menos foi a minha primeira impressão já antes adivinhada, logo que vi à minha frente tantos doutores, escritores, professores, vereadores, assessores, autores, oradores, comendadores, historiadores e muitos mais senhores e, também muitas senhoras doutoras, escritoas, professoras, vereadoras, etc..

Perante esta situação concreta, eu nunca poderia abalançar-me a proceder à análise, ainda que modesta, de cariz teológico sobre o livro que eu levava comigo porque, apesar de ter passado 7 anos, num internato religioso de sólida formação moral e religiosa. Não passaria nunca de um vulgar teolograsto, isto é, de um teólogo medíocre, logo de um académico rasteiro sujeito a pisar o risco de heresia perante tão formal assistência tanto mais que a minha intervenção estava a ser gravada para ficar no arquivo na mediateca municipal, como era hábito!

Assim, como eu já antes fora, também, “almocreve nas várias estradas das ensinanças” a carregar montes de cadeiras para desempenhar o meu “valeroso ofício de Minerva”, durante mais de 40 anos, 24 cadeiras na Universidade e 16 na docência, resolvi que o mais cómodo era limpar o pó de uma dessas cadeiras, a Antropologia Cultural, e nela me sentar para segurança do discurso, mas com todos os cuidados que esta matéria era religiosa e não fosse por lapso “abrir demasiado os ponteiros do compasso” e o público não aprovar! Mas eu não queria deixar mal o Senhor Presidente da Câmara.

Face a esta minha decisão forçada, comecei pela estatística que levava comigo onde constavam os lugares em que os diversos santos eram venerados e também os lugares de invocações de Nossa Senhora.

Só da Virgem Maria havia mais de uma dezena de capelas e onze denominações, Senhora da Saúde, das Dores, das Febres, do Ò, do Livramento, etc., e até dos Retornados, cujo objectivo do culto, em boa parte, pelos seus nomes eram de apreensão óbvia! Isto é, pedir coisas aos respectivos Santos.

Dos Santos havia capelas com os nomes de S. António, de S. Sebastião, de S. Pedro, S. Cristóvão, etc., que faziam parte de uma extensa lista; uns para compreensão popular eram de sua natureza representativa mais soft e por isso menos acessíveis à adesão da maioria das populações, como S. Paulo, S. João Evangelista; outros eram mais acessíveis ao culto popular por serem representados em retábulos mais naifs como S. Tomé, S. João Baptista, S. Cristóvão, S. Barnabé, S. Bartolomeu, este trazia o Diabo com a forma de cão preso curto por uma trela, etc.

A todos os Santos, era comum os povos recorrerem para lhes acudir ou para colmatar as suas necessidades diárias contra as desgraças e, sobretudo, nas doenças. Isto, antes e depois dos tempos em que Portugal havia o Hospital de Todos os Santos, em Lisboa, e umas quantas Misericórdias espalhadas pelo país disponíveis para tão pouca gente e por isso inacessíveis, sobretudo, às pessoas dispersas pelos territórios mais distantes. A estes só os Santos é que lhes podiam valer.

A leitura do livro que ia apresentar trouxe-me por instantes à lembrança as teogonias antigas constituídas por hierarquias de deuses que tudo explicavam e dos quais os homens dependiam e aos quais recorriam em suas aflições nos célebres locais de culto conhecidos da História.

E no meu discurso introduzi várias considerações de natureza antropológico-cultural ao fazer uma breve análise das realidades hagiológicas do roteiro procurando, como até ai, fazer uso de uma linguagem não axiomática para não ferir eventuais susceptibilidades dos assistentes.

Fui discorrendo, sentado e sem papel, sobre a aparente contradição, daqueles tempos relatados pelo autor daquele livro, se poder conciliar com a Bíblia, em grande parte como o livro que regista a saga literal do caminho percorrido pela humanidade ligada a um povo a tentar consolidar o monoteismo. Este fora há muito definido e aceite pela Igreja e no entanto, um pouco à semelhança das antigas teogonias, havia inumeros locais de culto dos vários Santos e Santas, no seio da própria Cristandade!

É claro que há distinção nestes cultos; uns são de simples veneração, como os de dolia e o de hiperdolia aos Santos e à Virgem Maria. O verdadeiro culto, o de latria, era só devido a Deus. Mas o povo tinha dificuldades em fazer estas distinções apesar de na Eucaristia ouvir relatos bíblicos sobre a natureza destes cultos!

Cada vez que olhava para a assistência procurava ler os rostos da assistência sentada mesmo à minha frente, e assim ia avançando cautelosamente nesta aparentemente estranha e insólita apresentação.

Tudo correu bem até ao final! Todos bateram palmas, mas notou-se que algumas eram as chamadas palmas secas, a soar à não concordancia total com aquilo que ali fora dito!

Em outro dia, numa segunda-feira eram 6 do mês de Maio de 1999, fui chamado a uma tipografiazinha da cidade para ir lá rever as provas tipográficas do meu livro. Esqueci este facto porque esclareci que deviam era chamar o autor do Roteiro que eu apresentara. Mas tive mesmo de ir à tipografia. O Presidente da Câmara, que no seu mandato publicou 40 obras de 12 autores, mostrava bem ser um verdadeiro autarca amante extraordinário das questões ligadas à cultura.

Fiquei surpreendido ao ler no Prefácio do “meu livro” em resultado daquela minha atribulada apresentação o seguinte escrito pelo Senhor Presidente: «Foi este ilustre e prestigiado homem que com elevação percorreu o Livro e que no mesmo descobriu uma vasta mensagem antropológica e um significativo testemunho cultural que pode esclarecer-nos sobre a vida e as vicissitudes das povoações existentes há séculos no nosso concelho. Dado que o texto além da análise judiciosa que faz do livro aborda assuntos antropologia cultural de muito interesse, entendeu a Câmara Municipal ser seu dever publicá-lo de modo a poder proporcionar a sua leitura a quem não teve o privilégio de estar presente na sessão solene e de o ouvir».

E foi assim que sem eu querer me fizeram escritor, vai para 10 anos; escritor é apenas um elogio que até nem me desagrada e, foi por isso, que acabei de ver publicado este meu décimo livro, tudo livrinhos, à excepção de um com quase 700 páginas e outro com mais de 2,5kg de peso.

Como facilmente se pode concluir, até para se ser escrito é preciso ter sorte e muito mais sorte para continuar a sê-lo graças ao empenhado e valioso apoio da minha editora MinervaCoimbra!.


Palavras proferidas por Edgard Panão na apresentação, na Livraria Minerva, do livro “COMENTÁRIO – O outro lado da coisa”.

Coimbra, 28 de Outubro 2009

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