domingo, setembro 27, 2009

Lançamento e debate em Lisboa



Realizou-se na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa, uma sessão de debate sobre o tema “Saúde e Hospitais”, na sequência da apresentação na capital do livro FARPAS PELA NOSSA SAÚDE, de Carlos Costa Almeida, editado pela MinervaCoimbra em Julho passado.

A sessão, presidida e moderada por Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, iniciou-se com a apresentação do livro feita por Carlos Pereira Alves, antigo presidente do Conselho de Administração do Hospital dos Capuchos.

Começando por apresentar, jocosamente, uma declaração de conflito de interesses, na medida em que é amigo pessoal do autor (chefe de serviço de Cirurgia do Centro Hospitalar de Coimbra e presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar), Carlos Pereira Alves afirmou-se de acordo com quase tudo o que lá está expresso, apresentado e escrito de uma maneira muito clara e perceptível, mostrando que o seu autor sabe realmente do que está a falar, ou não fosse ele um médico hospitalar de longa data e provas dadas.

Provas dadas numa carreira profissional muito prestigiada, centro da formação médica pós-graduada e contínua dos médicos portugueses, e ao mesmo tempo garantia da qualidade da medicina praticada nos nossos hospitais e nas instituições privadas de saúde, uma vez que é dos hospitais públicos que têm saído os médicos das clínicas privadas.

Carlos Pereira Alves compartilha totalmente a ideia do autor de que a medicina é para ser praticada e gerida pelos médicos, embora a preocupação tenha também de ser posta na parte administrativa. Esta não pode é tornar-se no centro do que é feito para tratar doentes, consumindo-lhe uma grande parte dos recursos, que assim são desviados desse objectivo — à semelhança do que se passa já nos Estados Unidos da América, em que 40 por cento dos recursos alocados à Saúde são gastos pelos administradores. Com o fim supremo de impedir que os médicos gastem dinheiro com os doentes, como comentaria depois, ironicamente, Carlos Costa Almeida.

Carlos Pereira Alves terminou mostrando-se muito apreensivo com a possibilidade de que a tónica administrativa e economicista posta na Saúde possa vir a negar cuidados a doentes por se achar que não são “cost-effective”. Uma coisa dessas contradiz totalmente a humanização que todos dizem pretender, a qual assenta acima de tudo numa ligação pessoal estreita e franca entre médico e doente, confiando este abertamente naquele, não podendo sequer imaginar que ele lhe está a colocar um rótulo com o preço enquanto doente, calculando ao mesmo tempo se esse preço deve ou não ser pago.

Manuela Arcanjo, ex-ministra da Saúde, teceu rasgados elogios ao autor do livro, declarando-se em total sintonia com ele. Achou-o ingénuo apenas quando refere que a fórmula EPE estabelecida não deu os ganhos financeiros esperados. Manuela Arcanjo não os esperava, realmente, e sempre entendeu que essa chamada empresarialização dos hospitais públicos teve antes dois objectivos diferentes: a desorçamentação de grande parte dos custos e a abertura dessa área aos privados. O que se tem visto acontecer, aliás, devendo a despesa em excesso com os hospitais EPE ser vista como uma aplicação de capital para a liberalização mais extensa do sector, tal como foi pretendido por quem gizou essa empresarialização.

Algo que sempre chocou Manuela Arcanjo enquanto responsável pela Saúde foi o subfinanciamento crónico da área, observando amiúde como facilmente grandes verbas eram desviadas, por razões políticas, algumas ocasionais, para outros sectores, em detrimento da Saúde. E sempre a chocou também a influência da política no que devia ser só técnico — chegando-se ao ponto de agora se esperar pelo resultado das eleições legislativas para se substituir um presidente do Conselho de Administração de um hospital reformado já há meses, acrescentaria mais tarde Carlos Costa Almeida.

Manuela Arcanjo terminou dando mais uma vez os parabéns ao autor do livro “Farpas pela nossa Saúde”, pedindo-lhe que permanecesse alerta e não desistisse de escrever sobre o tema, contribuindo para que se conhecesse o que se passa e ajudando eventualmente à tomada de decisões pelos decisores.

Pedro Pita Barros, professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa e também autor de um livro editado pela MinervaCoimbra intitulado “A Economia da Saúde”, declarou-se igualmente encantado com a leitura do livro de Carlos Costa Almeida, dele ressaltando, segundo disse, o orgulho que o seu autor tem em ser médico. E entende agora que a medicina é uma actividade demasiado complexa e específica para ser gerida por não médicos, devendo estes, claro, preocupar-se também com a parte económica e financeira dessa sua actividade.

As críticas versam sobretudo o que chamou de contabilicismo, a preocupação de poupar apenas nas contas, ao invés de se procurar, sim, aproveitar melhor todo o dinheiro investido, forma correcta de ser económico em Saúde. Carlos Costa Almeida comentaria mais tarde, a este respeito, que, na verdade, a medicina que fica mais barata é a boa medicina, mesmo que ela implique alguns gastos mais elevados.

No parecer de Pita Barros o que interessa é a relação custo-efeito, e o segundo às vezes é difícil de contabilizar quantitativamente, sobretudo por quem é leigo na profissão e está fora da relação médico-doente. Já algumas medidas puramente administrativas tomadas, como o “dedómetro”, são susceptíveis de ser avaliadas quantitativamente, medindo-se os gastos e os ganhos que trouxeram, e isso, por exemplo, deveria ser feito.

Como seria também muito importante avaliar o desempenho das administrações hospitalares, o que pode ser feito quantitativamente, pois é mensurável, ao contrário de muitos aspectos do tratamento dos doentes. Pedro Pita Barros terminou inquirindo os médicos da possibilidade de a formação médica e as carreiras médicas se estenderem a instituições privadas, tal como às públicas.

Pedro Nunes, moderando o debate e afirmando a sua concordância na generalidade com o que é escrito pelo autor de “Farpas pela nossa Saúde”, afirmou que as carreiras médicas estão em debate, havendo já um projecto entregue no Ministério, centradas na Ordem dos Médicos e, eventualmente, estendidas a Hospitais privados, se eles detiverem todas as condições exigidas — e não propriamente a policlínicas.

Carlos Costa Almeida lembrou que as Carreiras Médicas só surtirão efeito e vingarão se forem incorporadas no funcionamento dos hospitais, como o eram até à lei EPE. A sua lógica, para além da formação, é assegurar aos governantes e aos doentes que quem dirige os serviços de saúde e os hospitais são os mais capazes, os mais sabedores, os mais diferenciados, aqueles que deram mais e melhores provas, e não quem foi depois escolhido dentro de cada instituição ignorando-se tudo isso.

Escolhido através de uma chamada avaliação de desempenho que nada faz supor que possa ser diferente para os médicos do que é agora para as outras carreiras: uma forma cara, consumidora de tempo e recursos humanos, geradora de zangas e desinteresse dos profissionais, de permitir que as administrações postas nos hospitais possam escolher em absoluto quem querem para dirigentes técnicos intermédios das suas instituições, isto é, para responsáveis directos pela formação e pelo nível da medicina lá praticada.

Depois das intervenções de vários colegas presentes — Dias Pereira e Armando Rocha, de Coimbra, e Canas Mendes e Isabel Caixeiro, de Lisboa — na linha do que atrás é referido, e ainda de Isabel de Carvalho Garcia (MinervaCoimbra), Pedro Nunes encerrou finalmente o debate.

















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