quarta-feira, abril 11, 2007

Vitória de Oliveira Salazar em concurso televisivo é absolutamente indiferente


"Os «Grandes Portugueses» e as representações da História" foi o tema da última sessão das Terças-Feiras de Minerva num debate animado que contou com as presenças de Luís Reis Torgal, historiador e professor universitário, António Barbosa de Melo, professor universitário, Mário Mesquita, jornalista e professor universitário, Maria Reina, geógrafa, e Rui Duarte, estudante de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra.

O recente programa televisivo que visou eleger o “grande português” e que culminou na escolha de António de Oliveira Salazar por parte do público votante, tem vindo a gerar alguma polémica e tornou-se, de forma natural, no centro do debate de mais uma sessão promovida pela Livraria Minerva.



Luís Reis Torgal, um dos historiadores que subscreveram um abaixo assinado contra o referido concurso, começou por manifestar-se frontalmente contra o que considerou ser “um mau serviço feito à história”. A vitória, ou não, de Oliveira Salazar é, para o historiador, “absolutamente indiferente”, apesar de ser “algo muito grave no seu sentido simbólico”. O programa, afirmou, “poderia ter tido um papel importante na educação da memória histórica nacional”, mas, pelo contrário, foi um impulsionador de “uma memória fabricada”.

A história, frisou várias vezes Luís Reis Torgal, “não é feita de opiniões mas é, antes de mais, uma ciência caracterizada pela objectividade”, pelo que “o programa foi extremamente infeliz, mas não é significativo em termos de memória do povo português”. Quanto a Salazar, referiu ainda, que “nunca tinha ganho eleições, ganhou agora um concurso”.



Maria Reina, por seu turno, fez uma análise dos dados de audiência do programa, traçando um perfil de espectador cuja idade ronda os 64 anos, é de classe média alta, da grande Lisboa e interior e maioritariamente feminino. A geógrafa afirmou que prefere acreditar que o resultado do concurso que colocou “dois ditadores” nos primeiros lugares — António de Oliveira Salazar e Álvaro Cunhal —, com cerca de 60% dos votos, possa corresponder “aquilo que hoje, passados 32 anos de democracia, o país pode pensar em termos de política”.

Maria Reina interpreta assim os resultados “como um descrédito, como um voto de protesto daquilo a que se assiste nesta jovem democracia e que é o poder político. Eu não quero acreditar que 41% das pessoas que votaram achem que o perfil de Salazar e 19,1% achem que o perfil de Álvaro Cunhal podem de alguma forma corresponder aos dois grandes portugueses da nossa história”.

Já Rui Duarte afirmou considerar que o programa “não reflecte a consciência dos portugueses”, mesmo apesar de em Portugal se viver “numa democracia que não é saudável”. Quanto aos jovens, referiu, a grande maioria nem votou nem acompanhou sequer o programa e, dessa forma, “o programa falhou porque não conseguiu cativar a juventude”.



Para o jovem estudante de Relações Internacionais, os resultados do programa demonstra que “são votos de empenhados. São votos de militantes que transformaram o programa numa oportunidade para revelarem as suas diferentes convicções”. E também aí o programa falhou ao não conseguir mobilizar a maioria dos portugueses. Refira-se que o primeiro lugar obteve apenas 20 mil votos, sendo os outros abaixo disso, naturalmente. Números que não representam em nada a população nacional.

António Barbosa de Melo foi o mais radical da noite ao afirmar simplesmente que “isto não existiu”. Afinal, questionou, “quem é que representa os grandes da história portuguesa? A comunicação social? Os historiadores?”. Segundo o professor universitário “a própria pergunta não faz sentido nenhum” já que “cada qual responde a partir do seu horizonte pessoal”. O programa só faz sentido, afirmou, enquanto “promoção de uma certa comunicação social que faz espectáculo do que não deve”.

Já para Mário Mesquita o tema do concurso “é interessante como motivo de reflexão, mas o concurso não deve ser empolado”, já que resulta de uma construção televisiva e não parece ser “uma representação daquilo que a opinião pública portuguesa pensa no seu conjunto”. No entanto, “talvez seja o sintoma de alguns fenómenos que se passam na nossa sociedade”.



A verdade é que, “para conferir coesão a um sistema político é necessário que exista uma narrativa histórica que, por seu turno, tem que se enraizar e ganhar corpo na sociedade. E o Estado Novo, sendo um regime ditatorial, soube construir a sua própria memória histórica”, nomeadamente através de várias publicações e alguns biógrafos oficiais do regime.

No momento em que por toda a Europa há debates sobre a questão da memória histórica, “é natural que esse formato televisivo construído, na prática, se adapte, pior ou melhor, a outras realidades histórico-culturais”, afirmou. E neste tipo de programas há ainda um outro fenómeno que se manifesta e que é o dos activismos, o que não acontece por acaso e que também deve ser objecto de reflexão.

“As sociedades contemporâneas necessitam de mitologias estruturadas em torno de personagens históricas. E a realidade é que essas personagens dos frágeis olimpos das democracias contemporâneas são mais difíceis de criar do que as que são mitificadas em regime de ditadura”, concluiu Mário Mesquita.

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