![](http://2.bp.blogspot.com/_a9Q-QAwni3g/Rh1BsM6WesI/AAAAAAAAA9Y/oLN1txka5yw/s320/port01pq.jpg)
"Os «Grandes Portugueses» e as representações da História" foi o tema da última sessão das Terças-Feiras de Minerva num debate animado que contou com as presenças de Luís Reis Torgal, historiador e professor universitário, António Barbosa de Melo, professor universitário, Mário Mesquita, jornalista e professor universitário, Maria Reina, geógrafa, e Rui Duarte, estudante de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra.
O recente programa televisivo que visou eleger o “grande português” e que culminou na escolha de António de Oliveira Salazar por parte do público votante, tem vindo a gerar alguma polémica e tornou-se, de forma natural, no centro do debate de mais uma sessão promovida pela Livraria Minerva.
![](http://3.bp.blogspot.com/_a9Q-QAwni3g/Rh1Bsc6WetI/AAAAAAAAA9g/uYkEPOa2zAQ/s320/port02pq.jpg)
Luís Reis Torgal, um dos historiadores que subscreveram um abaixo assinado contra o referido concurso, começou por manifestar-se frontalmente contra o que considerou ser “um mau serviço feito à história”. A vitória, ou não, de Oliveira Salazar é, para o historiador, “absolutamente indiferente”, apesar de ser “algo muito grave no seu sentido simbólico”. O programa, afirmou, “poderia ter tido um papel importante na educação da memória histórica nacional”, mas, pelo contrário, foi um impulsionador de “uma memória fabricada”.
A história, frisou várias vezes Luís Reis Torgal, “não é feita de opiniões mas é, antes de mais, uma ciência caracterizada pela objectividade”, pelo que “o programa foi extremamente infeliz, mas não é significativo em termos de memória do povo português”. Quanto a Salazar, referiu ainda, que “nunca tinha ganho eleições, ganhou agora um concurso”.
![](http://2.bp.blogspot.com/_a9Q-QAwni3g/Rh1BtM6WewI/AAAAAAAAA94/aJQdU7jFPpY/s320/port05pq.jpg)
Maria Reina, por seu turno, fez uma análise dos dados de audiência do programa, traçando um perfil de espectador cuja idade ronda os 64 anos, é de classe média alta, da grande Lisboa e interior e maioritariamente feminino. A geógrafa afirmou que prefere acreditar que o resultado do concurso que colocou “dois ditadores” nos primeiros lugares — António de Oliveira Salazar e Álvaro Cunhal —, com cerca de 60% dos votos, possa corresponder “aquilo que hoje, passados 32 anos de democracia, o país pode pensar em termos de política”.
Maria Reina interpreta assim os resultados “como um descrédito, como um voto de protesto daquilo a que se assiste nesta jovem democracia e que é o poder político. Eu não quero acreditar que 41% das pessoas que votaram achem que o perfil de Salazar e 19,1% achem que o perfil de Álvaro Cunhal podem de alguma forma corresponder aos dois grandes portugueses da nossa história”.
Já Rui Duarte afirmou considerar que o programa “não reflecte a consciência dos portugueses”, mesmo apesar de em Portugal se viver “numa democracia que não é saudável”. Quanto aos jovens, referiu, a grande maioria nem votou nem acompanhou sequer o programa e, dessa forma, “o programa falhou porque não conseguiu cativar a juventude”.
![](http://1.bp.blogspot.com/_a9Q-QAwni3g/Rh1Bs86WevI/AAAAAAAAA9w/GHD0FSuriqI/s320/port04pq.jpg)
Para o jovem estudante de Relações Internacionais, os resultados do programa demonstra que “são votos de empenhados. São votos de militantes que transformaram o programa numa oportunidade para revelarem as suas diferentes convicções”. E também aí o programa falhou ao não conseguir mobilizar a maioria dos portugueses. Refira-se que o primeiro lugar obteve apenas 20 mil votos, sendo os outros abaixo disso, naturalmente. Números que não representam em nada a população nacional.
António Barbosa de Melo foi o mais radical da noite ao afirmar simplesmente que “isto não existiu”. Afinal, questionou, “quem é que representa os grandes da história portuguesa? A comunicação social? Os historiadores?”. Segundo o professor universitário “a própria pergunta não faz sentido nenhum” já que “cada qual responde a partir do seu horizonte pessoal”. O programa só faz sentido, afirmou, enquanto “promoção de uma certa comunicação social que faz espectáculo do que não deve”.
Já para Mário Mesquita o tema do concurso “é interessante como motivo de reflexão, mas o concurso não deve ser empolado”, já que resulta de uma construção televisiva e não parece ser “uma representação daquilo que a opinião pública portuguesa pensa no seu conjunto”. No entanto, “talvez seja o sintoma de alguns fenómenos que se passam na nossa sociedade”.
![](http://4.bp.blogspot.com/_a9Q-QAwni3g/Rh1Bss6WeuI/AAAAAAAAA9o/WN3akPtccqI/s320/port03pq.jpg)
A verdade é que, “para conferir coesão a um sistema político é necessário que exista uma narrativa histórica que, por seu turno, tem que se enraizar e ganhar corpo na sociedade. E o Estado Novo, sendo um regime ditatorial, soube construir a sua própria memória histórica”, nomeadamente através de várias publicações e alguns biógrafos oficiais do regime.
No momento em que por toda a Europa há debates sobre a questão da memória histórica, “é natural que esse formato televisivo construído, na prática, se adapte, pior ou melhor, a outras realidades histórico-culturais”, afirmou. E neste tipo de programas há ainda um outro fenómeno que se manifesta e que é o dos activismos, o que não acontece por acaso e que também deve ser objecto de reflexão.
“As sociedades contemporâneas necessitam de mitologias estruturadas em torno de personagens históricas. E a realidade é que essas personagens dos frágeis olimpos das democracias contemporâneas são mais difíceis de criar do que as que são mitificadas em regime de ditadura”, concluiu Mário Mesquita.
Sem comentários:
Enviar um comentário