quarta-feira, junho 07, 2006

"Imprensa e Opinião Pública em Portugal" no Público

Da "Gazeta" de 1641 ao "Século" de 1974
A opinião pública em Portugal, segundo José Tengarrinha
António Melo

Autor de história da imprensa portuguesa, tida como referência, fala da formação da opinião crítica na nossa sociedade

O historiador José Manuel Tengarrinha lança hoje a sua obra Imprensa e Opinião Pública em Portugal, onde analisa as fases da formação de uma opinião crítica na sociedade portuguesa. A análise vai desde o primeiro periódico, a Gazeta, publicado em 1641, aos jornais do final do Estado Novo, com a democracia de Abril de 1974 à beira da esquina. O livro será apresentado pelo jornalista Mário Mesquita, às 18h30, no El Corte Inglês, em Lisboa.
Desde 1960 que Tengarrinha se ocupa com a história da imprensa em Portugal, um trabalho que quer concluir dentro de dois ou três anos, com a edição da Nova História da Imprensa Portuguesa, obra que completará o anterior estudo, publicado na sempre recordada Portugália Editora, que se terminava na I República.
Este levantamento histórico foi complementado, a partir de 1970, com a análise dos gostos de leitura, com que deu início a uma nova abordagem sociológica dos media em Portugal. É disso que trata o livro que hoje vai ser apresentado em Lisboa, "do que se pode designar por espaço público mediatizado", dos seus meios, contextos e efeitos, diz o autor.
Tengarrinha frisa "a intenção" de se desviar de "uma certa tendência em abordar os sistemas comunicacionais abstractizantes", dotados de "uma lógica interna perfeita", mas que se consomem nesse formalismo. "Julgo que é necessário submeter esses sistemas à perspectiva histórica", diz o catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sublinhando que embora, "a essência da comunicação social seja possibilitar o diálogo e a troca de mensagens", a realidade implica que em sociedade esse diálogo se processe num contexto e num espaço que é o do quadro histórico. De outro modo, os cenários, embora perfeitos, "não nos permitem compreender como se desenvolveram os sistemas comunicacionais até atingirem a configuração que têm hoje".
Daí a organização do livro em capítulos que correspondem às quatro fases da formação de uma opinião pública mediatizada na nossa história. A primeira corresponde à formação do regime liberal (1820). A segunda corresponde ao período dos grandes confrontos na sociedade liberal (1840). A terceira ocupa-se das turbulências políticas após o Ultimatum britânico, no fim do século XIX. A quarta fase estuda "a falência da República e o advento do Estado Novo".
Na concepção de Tengarrinha, o espaço público, enquanto opinião pública crítica em formação, define-se, historicamente, em três períodos. O primeiro, com o objectivo de criar um "bloco de opinião", serve os interesses institucionais do poder político, de natureza absolutista, mesmo se ele está em fase de instalação. O exemplo desse esforço é a Gazeta, que saiu em Novembro de 1641 e tinha por finalidade, como se diz no frontispício, relatar "as novas todas, que houve nesta corte e que vieram de várias partes".
Editou-se em pleno esforço restaurador da independência portuguesa, com o novel D. João IV a ter que se afirmar como monarca de Portugal.
O segundo período corresponde ao da extinção do absolutismo, em que o poder, perante a ameaça das invasões napoleónicas, concedeu autonomia ao espaço público. Com ele se confrontou o poder militar de Junot, e que acabou por ser por ele derrotado - com a ajuda militar inglesa. Esta autonomia, com sobressaltos diversos, manteve-se durante todo o século XIX e atingiu um paroxismo na década de 1890, com o protesto nacional ao "humilhante" Ultimatum inglês, que culminou no primeiro levantamento republicano, no Porto, a 31 de Janeiro de 1891.
O terceiro período, analisado nesta obra, corresponde ao do Estado Novo. Nota Tengarrinha que o regime corporativo, na falta de um partido de massas que moldasse a opinião pública, recorreu à formação desse espaço público submisso através de um "bloco autoritário", cujos canais seriam os mass-media, ou grandes meios difusores, como a imprensa, a rádio e, a partir da década de 1950, a televisão, todos eles submetidos a uma orientação censurada. A constituição deste período decorreu, com relativo êxito, de 1936 até ao final da II Guerra Mundial, em 1945. Mas a partir daí foi perdendo influência devido à formação de um outro espaço público, oposicionista, que influenciava a (sua) opinião pública pela imprensa clandestina.
A interpretação da relação interactiva entre a imprensa e a opinião pública, no contexto das novas tecnologia de informação, é um tema apenas abordado nesta obra, mas sobre o qual Tengarrinha tem um juízo em formação. Cita Chomsky, quando este linguista e activista liberal norte-americano pergunta se a imprensa é ainda a solução para a democracia em regimes autoritários e salvaguarda da liberdade em regimes democráticos. A pergunta esconde, obviamente, o controlo dos media pelos poderes instituídos, não só os do Estado, mas os socioeconómicos, que detêm o controle crescente dos grandes media de difusão.
A sede de liberdade parece ser, contudo, um elemento constitutivo das sociedades e essencial ao indivíduo, que a cada passo descobre meios de iludir esta totalitarização do espaço público. O recurso crescente aos meios informais que proporciona a Internet, mesmo sendo este um sistema globalizante, são um exemplo a estudar, diz José Tengarrinha.

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