sábado, março 20, 2010

CHÃO DA RENÚNCIA [apresentação em Leiria]

Decorreu na Livraria Arquivo, em Leiria, a apresentação do livro
"O CHÃO DA RENÚNCIA" de Aida Baptista (Edições MinervaCoimbra).
A apresentação foi feita por Acácio de Sousa (Director do Arquivo Distrital de Leiria)
e Ilda Januário (Investigadora na área da Antropologia Cultural da Universidade de Toronto).


Deixamos aqui a intervenção do Dr. Acácio Sousa:
"A razão destas palavras não é a apresentação do livro de Aida Baptista, mas tão só, trazer algumas palavras introdutórias sobre o significado do seu conteúdo.
Quanto à autora conheci-a pessoalmente apenas neste dia de apresentação da obra, o que quer dizer que estou isento quanto a impressões dependentes do grau de conhecimento pessoal. Todavia, conheci-lhe o espírito quando a li.


Percebi sentimentos e confundi-me com algumas emoções. Não por dificuldade da autora, porque se tratam de um conjunto de episódios escritos com extraordinária fluidez da palavra, mas porque ela própria quis mostrar o que a tem vindo a invadir ao longo dos anos.

Isto é, é fácil perceber o apelo arrebatador da “Mãe África”, sobretudo a quem lá passou e ainda mais a quem foi lá criado, mas muita coisa se confunde quando acontece o arranque violento das raízes.

Para a História da Descolonização ainda há-de vir o tempo da análise distanciada e não emotiva, o que é ainda difícil de fazer pois a proximidade do tempo ainda condiciona quem nela fala, esteja do lado em que estiver. No entanto, as catarses, que são naturais, vão-se fazendo e vão ajudando à construção de uma objectividade que será percebida a posteriori.
O certo é que teremos que levar em atenção duas coisas:
Uma, é a questão política com tudo o que envolve as relações entre o que foi País colonizador e o que foi Nação colonizada; outra, são os que emigraram por razões idênticas às que os poderiam ter feito emigrar para outros cantos da diáspora, sem motivação política e procurando, apenas, uma oportunidade de vida.

Mas nisto há ainda os que, sendo europeus de origem, ali cresceram ou nasceram, se apaixonaram pela terra e por aquilo que aquela terra lhes deu.

Foram muitos os milhares de Portugueses/Africanos que, de facto e de repente, se viram confrontados com situações inesperadas. Situações que, mesmo tendo legitimidade política, em termos humanos, não esperavam. Sobretudo, quando o entendimento não atingia as razões de uma trágica guerra civil, um turbilhão que os arrancou de vez e os fez retornar a uma outra terra de origem que não conheciam, onde tudo era diferente, onde tudo teriam que recomeçar. E recomeçaram!
Muitos, como a autora do “Chão da Renúncia”, não se sentiram espoliados porque trouxerem a riqueza de África que lhes deu a abertura ao mundo e as garras para tudo recomeçar.
No entanto, o espírito ficou na amplidão da savana, no mistério da mata, a cor da terra, nas águas cálidas do mar…e na vontade, sempre, de regressar. Identidade nómada numa nostalgia de mundos tão imensos face à decisão familiar que um dia, num momento, levou a que fossem conhecidos. Foi isto que se passou com Aida Baptista. O “Chão da Renúncia” é isso.

Aida tinha um ano de idade quando partiu para Benguela por decisão do Pai. Ali cresceu, estudou e teve dois filhos. A guerra fê-la voltar a um Portugal que não conhecia.
Furou barreiras e graduou-se em História, Cultura e Literatura Portuguesas. E voltou a partir!
Foi leitora em Helsínquia e Toronto, por aí andou, inquieta, à procura de si e de algo que a sossegasse. “Passaporte Inconformado” foi um primeiro livro que retratou essa procura…até que em 2004 se deparou com o Centro de Língua Portuguesa de Benguela. Enfim!...terá sentido, “lá vou reencontrar-me comigo”. Mas…terá sido assim tão simples?
A dúvida perpassa nestes contos do “Chão da Renúncia”. Que emoções foram as do regresso ao local onde viveu? Que choque? Que sossego? Que alegria?
Agora, era a mesma e era outra, Benguela. Era a mesma e era outra, Aida Baptista.

Intensa nas paixões, Aida ora se mostra leve e solta no olhar, ora se recolhe densa e dramática.

O reencontro com a terra que lhe traçou o espírito, ter-lhe-à dado o “código secreto para a travessia do rio da redenção”? Pacificou-a?
Ou será como diz o poema “África”, de Eduardo Bettencourt?: …”fui-me embora com as aves da tarde…a sombra da minha voz voava desesperada em volta da tua janela…à distância vi-te correr as cortinas…”. Casual, não foi de certeza a escolha do poema para a abertura deste livro.

Portugal tem uma relação umbilical com África. É sabido, mas nunca é demais dizê-lo. Estes olhares de quem a sentiu e de quem a sente, valem por tudo e ainda mais quando nos ajudam a perceber melhor o que fomos e o que somos."


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