Com apresentação da escritora Gabriela Silva, as Edições MinervaCoimbra promoveram a sessão de lançamento do livro “O chão da renúncia”, de Aida Baptista, numa sessão intitulada “Escritas da Diáspora” e incluída nas Terças Feiras de Minerva.
"O chão da renúncia" é constituído por 43 crónicas, escritas em Angola e sobre Angola, revistas e prefaciadas pelo escritor luso-canadiano de língua portuguesa Eduardo Bettencourt Pinto. Com uma invulgar “arte de bem escrever”, referiu Isabel Garcia, Aida Baptista “capta sentimentos” numa escrita de “grande beleza, inteligência e sensibilidade”, demonstrando a cada momento a sua “grandeza de alma”.
Para a escritora açoreana Gabriela Silva, por seu turno, há uma consciência profunda que atravessa toda a obra de Aida Baptista que diz apenas a verdade, explicando-a de forma perfeita porque a sua arquitectura textual não tem falhas. “E isso distingue-a de muitos cronistas: consequência nas palavras”.
Ao ler as crónicas de Aida Baptista, continuou, “há um sentimento que nos atravessa em cada uma delas: sentimos dor quando ela fala disso, sentimos prazer quando ela fala de prazer”. O livro, continuou, “navega por Benguela, numa teia de memórias que tocam os nossos sentidos. Nalguns momentos, senti mesmo calor, o calor húmido de África e a tortura de momentos de dúvida e de insegurança”.
Sobre a autora escreveu Manuela Marujo: “Ela capta, de modo particular, as alegrias, a nostalgia, o sofrimento, os fracassos e os sucessos de um povo (...). As suas crónicas mais pessoais são umas vezes irónicas, outras divertidas, revelando ainda outras, uma mulher sensual, amante apaixonada da vida e das pessoas. São sempre escritas com grande beleza, inteligência e sensibilidade”.
Maria Aida Costa Baptista nasceu em Pinheiros, concelho de Tabuaço, distrito de Viseu. Com um ano de idade foi para Angola, tendo vivido sempre na cidade de Benguela, onde estudou, casou, teve dois filhos e iniciou a sua carreira docente.
Foi leitora de português em Helsínquia, Finlândia, e em Toronto, Canadá. Tem editado um outro livro de crónicas intitulado Passaporte Inconformado, também com chancela das Edições MinervaCoimbra.
Durante a sessão foram ainda lidas algumas crónicas da autora, um poema de Eduardo Bettencourt Pinto, terminando com um momento musical de fado de Coimbra.
África
Vê como as minhas mãos são tristes sem ti:
dobram-se sobre o meu peito, abandonadas,
frias.
Tiveram sempre a cor da memória, que é a da água,
e as fronteiras todas da claridade.
Quando as tuas mãos recebiam as minhas,
entrávamos numa inebriante navegação de sentidos.
Eras no entanto uma mãe escondida na penumbra, a quina à cabeça,
os pés na poeira da minha inocência.
Eu amava-te como se ama um poema, à imagem
de tudo quanto é belo e trágico.
Oh!, como o lume dos teus braços, tão cheios de terra,
incendiava o Inverno das minhas noites mais longas!
Vi o teu corpo envelhecer dentro dos panos, a pele enrugar-se,
a caíres de melancolia de encontro ao sol
de estranhas madrugadas.
No dia em que me fechaste a porta
as mangueiras cantavam sob o último voo
dos flamingos.
Não sei em que letargia desaguava o teu amor,
que incompreensíveis venenos alimentavam a tua indiferença.
Fui-me embora como as aves da tarde.
A sombra da minha voz voava desesperada em volta da tua janela.
À distância vi-te correr as cortinas.
O crepúsculo caía
e uma ferida do tamanho do mundo crescia
no meu olhar para sempre.
Eduardo Bettencourt Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário