As Ciclodextrinas em Tecnologia Farmacêutica
Francisco Veiga
Catarina Pecorelli
Laura Ribeiro
«Numa área de forte componente de investigação como a Tecnologia Farmacêutica, onde o conhecimento se faz cada vez mais pela interligação de várias ciências, a ausência de textos em língua portuguesa constitui infelizmente um traço transversal a tantos outros domínios de forte expansão científica. Por isso, ao dar-se à estampa um título neste domínio todos os comentários nos parecem redundantes. Pelo arrojo da iniciativa. Pela mais valia que transporta. Pelo exemplo motivador para que mais ciência se faça e se divulgue em Português.
Está pois facilitado o trabalho do redactor deste Prefácio no que respeita à oportunidade e interesse da sua publicação. Estará também facilitada a sua avaliação crítica?
A leitura atenta desta obra transporta-nos ao interior do Laboratório de Galénica e Tecnologia da Faculdade de Farmácia de Coimbra, a um quotidiano que, pelas funções que desempenhamos há vários anos, temos o prazer de conhecer profundamente. E à vivência de um grupo de investigação liderado pelo nosso colega Professor Francisco Veiga, que tem sabido gerir os trabalhos de alguns dos seus colaboradores no sentido do estudo das ciclodextrinas, esses compostos dotados de interessante e peculiar estrutura que motivam todos os anos, a publicação de aproximadamente 1000 artigos e resumos científicos, dos quais uma grande parte se relaciona com aplicações farmacêuticas.
É interessante então verificar que esta obra não constitui uma tradução ou uma revisão de conjunto bibliográfica sobre a matéria. Articula a investigação de centros de excelência com pergaminhos neste domínio com a descrição de trabalhos originais, idealizados, estruturados e executados nas nossas instalações com as dificuldades que todos os que se dedicam à “causa ciência” conhecem. Ainda assim, foi possível que muitas destas peças tenham sido objecto de publicação em revistas internacionais de elevado índice de impacto, até há pouco praticamente inacessíveis a trabalhos originais nesta área, com origem em Portugal.
A obra apresenta-se dividida em 5 capítulos que reflectem o percurso dos autores e a importância que têm dado a cada um domínios aqui tratados.
No primeiro capítulo “As ciclodextrinas e seus complexos de inclusão” faz-se uma apresentação destas típicas moléculas hospedeiras, estudando-se a sua estrutura química e o modo como esta influencia a sua “acção” e descrevendo com importante detalhe os derivados estruturais que para além de melhorarem a solubilidade e limitarem a toxicidade, oferecem ainda a possibilidade de aumentar a capacidade de inclusão. A parte mais descritiva deste capítulo focaliza--se em aspectos mais gerais como a estrutura e propriedades físico--químicas dos vários tipos de ciclodextrinas identificados, sublinhando-se a importância que pode também ter como obra pedagógica para quem se interesse pelo tema.
O segundo capítulo “Formação e detecção dos complexos de inclusão” carrega já muito do conhecimento que se foi fazendo por este grupo. Abordam-se os vários mecanismos de complexação e descrevem-se os vários recursos instrumentais utilizados para a detecção da efectiva formação de complexos. É um capítulo de forte componente analítica só possível de executar na nossa Faculdade porque os autores tiveram a sabedoria de estabelecer, como manda a ciência moderna, as necessárias ligações sinérgicas com centros nacionais e internacionais conhecedores das técnicas “pesadas” aqui utilizadas. A soberba modelação molecular apresentada é disto um exemplo paradigmático.
No terceiro Capítulo “Biodisposição, toxicidade e regulamentação das ciclodextrinas” faz-se a abordagem, tal como o título indica, das fases cinéticas das ciclodextrinas e seus complexos. Na última parte deste capítulo inclui-se uma temática muitas vezes ignorada em textos idênticos: a classificação regulamentar destes compostos. Conhecendo--se as exigências actuais em termos de novos excipientes é interessante verificar a preocupação de, numa obra científica, incluir aspectos desta índole. Porque se trata de facto de um aspecto capital ao pensar na aplicação destes compostos no domínio da indústria farmacêutica, não faria sentido prático abordar as questões técnico-científicas ignorando a trilogia eficácia, segurança e qualidade que pode comprometer a transposição para o domínio industrial. Tanto mais que, para além das aplicações convencionais das ciclodextrinas como excipientes farmacêuticos, existem alguns indícios de que estas moléculas possam actuar como agentes terapêuticos, devido à capacidade de complexarem in vivo moléculas hóspede exógenas ou endógenas, possibilitando a sua utilização no tratamento de determinadas doenças como aterosclerose, processos inflamatórios ou infecções virais.
No quarto Capítulo “Implicações Biofarmacêuticas e Tecnológicas das ciclodextrinas em Formulações Farmacêuticas” apresentam-se diversas aplicações das ciclodextrinas ao nível do desenvolvimento de variadas formas farmacêuticas, sistematizando o estudo em função da via de administração destas formas. É interessante verificar a transversalidade de aplicações, cobrindo as diversas formas farmacêuticas, dando-se exemplos na preparação de formas farmacêuticas sólidas, líquidas e semi-sólidas com aplicação nas vias de administração oral, parentérica, pulmonar, nasal, bucal, sublingual, rectal, ocular e dérmica.
Destaca-se também a importância da encapsulação molecular de fármacos pelas ciclodextrinas pelas vantagens tecnológicas e biológicas na medida em que se possibilita a modificação das propriedades físicas, químicas e biofarmacêuticas daqueles. Reserva-se ainda um lugar de relevo às formas de libertação prolongada, sustentando a apresentação das virtudes das ciclodextrinas neste domínio, mais uma vez, com recurso a investigação própria dos autores, nomeadamente na optimização conseguida para a biodisponibilidade oral da vinpocetina.
No quinto e último capítulo “Estratégias para Aumentar a Eficiência de Complexação das ciclodextrinas”, abordam-se as potencialidades destes compostos para formação de complexos multicomponentes, com particular destaque para as consequências biofarmacêuticas desta estratégia de desenvolvimento farmacêutico. Realce-se o interesse do recurso a exemplos de produtos de sucesso assim conseguidos, culminando com a ilustração perfeita das possibilidades ainda em aberto neste domínio.
Perante a capacidade de reunir num único documento tanta da investigação feita no domínio das ciclodextrinas, suportada ainda por investigação própria e por bibliografia actualizada, julgamos que a questão que nos colocámos sobre a eventual facilidade da avaliação crítica só pode ter uma resposta positiva. E motiva-nos para responder sem receios à questão que faz título à obra de Jorge Massada: “Vale a pena ser cientista?”. Por muitas dificuldades que a própria natureza da causa transporta, sem dúvida que sim. Porque, quando textos desta natureza ficam disponíveis para fora de um domínio restrito, levam consigo um pouco da nossa história e vivência recentes, mostram a outros meios a investigação que corre no Laboratório de Galénica e Tecnologia da Faculdade de Farmácia de Coimbra e são potenciadores de iniciativas que constituam uma mais valia pedagógica e científica.
Por todos os motivos apresentados, aplaudimos os autores desta obra, em particular pelo valor de I&D intrínseco e sublinhamos a importância que esta edição representa para o meio académico e da indústria farmacêutica».
ADRIANO TEIXEIRA BARBOSA DE SOUSA
Professor Catedrático
Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
Francisco José de Baptista Veiga
Professor do Laboratório de Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra.
Licenciado em Ciências Farmacêuticas (ramo Farmácia Industrial), Doutorado em Farmácia, na especialidade de Tecnologia Farmacêutica pela Universidade de Coimbra e com o título de Agregado atribuído pela mesma Universidade.
Tem orientado vários projectos de investigação sobre a aplicação de ciclodextrinas em tecnologia farmacêutica.
Autor de mais de setenta trabalhos científicos sobre ciclodextrinas (comunicações e publicações) apresentados em reuniões e revistas nacionais e estrangeiras.
Catarina Cabral Marques Fernandes Pecorelli
Professora do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Lusófona, Lisboa.
Licenciada em Ciências Farmacêuticas e Doutorada em Farmácia, na especialidade de Tecnologia Farmacêutica pela Universidade de Coimbra.
Autora de cerca de duas dezenas de trabalhos científicos sobre ciclodextrinas (comunicações e publicações) apresentados em reuniões e revistas nacionais e estrangeiras.
Laura Sofia dos Santos Ribeiro
Directora do Departamento de I&D da empresa farmacêutica Labialfarma, Mortágua.
Licenciada em Ciências Farmacêuticas e Doutorada em Farmácia, na especialidade de Tecnologia Farmacêutica pela Universidade de Coimbra.
Autora de mais de duas dezenas de trabalhos científicos sobre ciclodextrinas (comunicações e publicações) apresentados em reuniões e revistas nacionais e estrangeiras.
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