A sessão decorreu na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda e a apresentação esteve a cargo de Fernando de Sousa, da Universidade do Porto e director do CEPESE, e José Rebelo, do ISCTE.Se o acontecimento constituía já um objecto de estudo preferencial da historiografia e da sociologia da comunicação, desde a década de 90 passou a constituir também objecto de análise sociológica. No contexto de uma sociologia inspirada na etnometodologia, na fenomenologia, na narratologia, na hermenêutica e na filosofia analítica, o acontecimento passou a ser considerado não tanto como objecto de análises semióticas ou factuais, mas enquanto fenómeno susceptível de conduzir a uma reelaboração da própria concepção do social.Na convicção de que é em função dos fins práticos da acção colectiva no espaço público e na perspectiva da organização da experiência pública que os actores sociais explicam e interpretam o que se passa em termos de acontecimentos e/ou de problemas prováveis e de acções imputáveis, examinam-se, na presente obra, as diferentes maneiras de descrever um acontecimento, de o designar e caracterizar, de tematizá-lo e de o transformar em problema público. Pretende-se mostrar que a configuração e construção do sentido dos acontecimentos depende de realizações práticas, ao nível da sua produção e da sua recepção, e que as descrições, as categorizações e as narrativas intervêm na construção social e pública daquilo de que elas próprias dão conta.
Os dois acontecimentos em análise ocorreram em Portugal no período revolucionário de 1975, sendo eles o caso República e as manifestações separatistas nos Açores. Não é em termos de uma causalidade histórica que estes dois acontecimentos particulares, tomados como objecto de análise, são abordados, ensaiando-se antes apreender por meio de que operações foram identificados e dotados de sentido. Trata-se de uma abordagem sociológica particular, que produz uma inteligibilidade dos acontecimentos diferente da perspectiva que visa uma explicação causal, na medida em que não perde de vista o facto de o caso República e as manifestações nos Açores terem acontecido a pessoas que suportaram esses acontecimentos, os sofreram, foram afectadas por eles, deles se apropriaram, responderam-lhes e reagiram em função das significações que lhes atribuíram e que aplicaram à sua experiência pública.
Isto é, sendo factual, um acontecimento é também relativo a um ponto de vista e aos recursos semânticos e simbólicos escolhidos para o descrever. Pode transformar-se num problema público, fixar sobre si a atenção colectiva e desencadear uma acção pública. A sua configuração pode ser revista e o acontecimento adquirir uma inteligibilidade retrospectiva e uma nova significação.
Isabel Babo-Lança
natural do Porto, onde reside, é Professora Associada na Universidade Lusíada. Doutorada em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, foi bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, programa PRAXIS XXI.
É membro da Unidade de Investigação CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, da Universidade do Porto, e integra a Comissão Científica da Revista População e Sociedade (CEPESE / Edições Afrontamento).
Leccionou na Escola Superior de Jornalismo do Porto e no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).
Tem colaborado em diversas publicações científicas da especialidade, de que se destacam a coordenação da obra “Estudos e ensaios em homenagem a Eurico Figueiredo”, Cepese / Edições Afrontamento (2005), a colaboração, com o artigo “Confiança e Democracia”, na obra “Desafios da democratização no mundo global” (M. Raquel Freire [org.], Edições Afrontamento / Cepese, 2004) e a participação, com a redacção de entradas, no Dicionário de Sociologia (Porto Editora, 2002) e no Dicionário de Relações Internacionais (Fernando de Sousa [dir.], Edições Afrontamento, 2005).
Interessada pelo estudo do acontecimento e dos problemas públicos assim como pela temática da ética e da responsabilidade social, tem intervindo regularmente em colóquios e conferências da sua área de especialidade e tem publicado, neste âmbito, em revistas como a Trajectos / ISCTE, Psiconomia / Universidade Lusíada e Antropológicas / Universidade Fernando Pessoa.
Sem comentários:
Enviar um comentário