Num auditório repleto de familiares, colegas e amigos de Cristina Robalo
Cordeiro, decorreu a apresentação do livro «REMINISCÊNCIAS DA LUZ»
a sua primeira obra ficcional, que obteve Menção Honrosa do XIV Prémio Literário Orlando Gonçalves, Amadora, 2011. A apresentação coube ao Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, José de Faria Costa, também conhecido pelo pseudónimo literário Francisco d’Eulália.
Isabel de Carvalho Garcia abriu a sessão agradecendo em nome das Edições MinervaCoimbra a Artur Côrte-Real (Diretor do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha) a cedência do Auditório do Museu, a Francisco d'Eulália (apresentação do livro), a Cristina Robalo Cordeiro pela amizade e pela preferência, e também a Bruno Sacadura (autor das fotografias) e a Maria Manuel Almeida (leitura de texto). Seguiram-se as intervenções de Francisco d'Eulália, Cristina Robalo Cordeiro e Maria Manuel Almeida a quem coube a leitura de um texto dedicado a Inês de Castro, tendo sido criado um ambiente intimista que agradou aos presentes.
Pierre Jourdan, Cristina Robalo Cordeiro, Ana Robalo, Manuel Robalo Almeida, Nuno Almeida
Com o título Reminiscências da Luz, obra ficcional que obteve, em Outubro 2011, a Menção Honrosa do XIV Prémio Literário Orlando Gonçalves, Amadora, Cristina Robalo Cordeiro reúne, com a chancela das Edições MinervaCoimbra, quinze “histórias quebradas” oscilando entre a representação de um vivido metamorfoseado e a evocação de cenários oníricos em parte inspirados pelas fotografias de Bruno Sacadura.
Isabel Garcia depois das palavras iniciais disse:
«Não é um acto académico.
Não se pode tratar de uma apresentação clássica.
Por isso, o que Cristina Robalo Cordeiro quer que seja dito dela:
Nasceu em Coimbra. Vive em Coimbra e gosta de viver em Coimbra.
Estudou na Universidade de Coimbra que serviu com seriedade e apaixonadamente durante 35 anos!
É francófona e francófila militante e como tal reconhecida por quem de direito!
E quer que este continue a ser um dos traços da sua vida pessoal e profissional!
Sente-se rodeada de muitos amigos, fiéis e preciosos!
Tem uma família excepcional (e um neto especial)!
E gosta de pensar que sempre, em toda a sua vida, honrou o nome de seu pai!"
E todos nós, os seus amigos e também os seus colegas sabemos que sim.
A Cristina Robalo Cordeiro é uma mulher de excepção, a nível pessoal e profissional. Com orgulho, e sem preconceito, deixem-me dizer em nome das Edições MinervaCoimbra, que é para nós um privilégio contarmos com mais este livro de CRC no nosso catálogo de edições. O nosso obrigada!»
A seguir passamos texto de Cristina Robalo Cordeiro:
«Caros Amigos/as,
Dirijo-me hoje a vós não sem uma sensação de embaraço e de intranquilidade.
Não por tomar a palavra em fim de tarde literário e menos ainda por dar a ouvir a minha voz, uma vez mais, a tantas e tantos amigos que sempre me acompanham nestas ocasiões.
Sei o que penso e o que sinto quanto reflicto sobre os textos de outros, como os de José de Faria Costa ou de Francisco d’Eulália. Tenho aliás a veleidade de pensar que posso entender o que ele sente ao ouvir-me.
Mas foi-me mais difícil saber o que ele sentiu ao ler-me e o que imaginou que eu iria sentir ao ouvi-lo!
Mudar o lugar de onde se fala – do espírito, da sensibilidade ou da inteligência de quem analisa e comenta, para a alma e o desassossego de quem escreve –, daquele lugar dali de quem diz o outro – lido, meditado, transcrito pela razão - para este lugar daqui de quem não sabe como (ou o que) dizer de si e da sua escrita… vai uma fronteira para a qual não sei se o meu passaporte está em dia ou caducado. Como em passagem de um mundo a um outro mundo. Como se este meu reino não fosse já desse meu mundo!
Mas, tranquilizai-vos, esta é uma vez sem exemplo!
É certo que, num momento ou noutro das nossas vidas – das vidas de cada um e de cada uma de nós -, a tentação da escrita atravessou a nossa mente. Não com aquela ingenuidade com que todos escrevemos poemas de amor ou de raiva aos 15 anos. Mas de uma forma mais madura, como um exercício reflectido.
Não há contudo semelhança possível entre aquele instante de loucura em que dizemos de alguém que nos enfurece – qualquer dia passa-me uma coisa pela cabeça e ainda o mato - e o momento lúcido da irrealidade desse gesto (desejado mas insano) de destruição radical.
Talvez por isso sempre achei improvável essa passagem ao acto. Não sendo Balzac, nem Proust, nem Appolinaire, mas apenas professora de literatura francesa, que ousadia era essa de me pôr (e me expor) a contar historietas de trazer por casa?
Como em tantas outras coisas na vida, enganei-me! Não quanto à importância do que escrevinhei para a generosidade da vossa leitura – haveis compreendido que procuro assim uma captatio benevolentiae -, mas quanto à essencialidade das palavras que a mim própria (ou de mim própria) quis dizer. Porque há de facto um momento da escrita, há mesmo um momento em que a escrita é mais do que inevitável, um momento em que a pulsão se faz compulsão, e se torna imparável.
É claro que houve as fotografias de Bruno Sacadura. Primeiro a série de Marrakech depois as Lágrimas, depois ainda os Campos do Mondego. Houve essa linguagem do silêncio e da luz, esse olhar que me ensinou uma outra duração do tempo, uma outra forma de ver a alma das coisas escondida na superfície trivial dos objectos. E de sentir a tranquilidade (ou a intranquilidade) da beleza captada no instante fugidio e eterno.
E houve ainda a travessia do vale Oukaimeden, a sudoeste de Marrakech, um dia na companhia de um poeta marroquino Mourad, Khireddine Mourad, no início da primavera de 2011, no trilho das casas de pisé, casas de terra e pó, esculpidas nas íngremes escarpas do Alto Atlas e envoltas na névoa da manhã. E um outro silêncio agora, o das palavras de um profundo conhecedor do sufismo que soube mostrar-me o valor do presente onde apenas cabe o que verdadeiramente constitui a essência do que somos, sem nostalgia do passado nem esperança de um qualquer futuro, numa sabedoria da vida que afasta tudo o que negativamente nos consome e nos transforma. Um carpe diem exigente que é também uma forma de espiritualidade absoluta e de conhecimento de si, de um ser em si que recusa ressentimento, desencanto e maledicência, que desvaloriza a voragem que nos anula no turbilhão da insignificância das coisas (papéis, tarefas, desejos, ânsias) a que tanto valor cegamente atribuímos.
E depois, depois houve as longas noites de Março e Abril de 2011, à procura de sossego e de sentido, quando tudo – muito – parecia ter-se esvaído em desrazão.
Veio então a outra voz em mim dizer-me que, de tudo o que nos magoa e nos pode ser negado há algo de intocável, algo de sagrado, algo que tem a ver com a liberdade de sermos o que somos, de escolhermos o que queremos ser, de não precisarmos de nenhuma máscara que esconda o nosso sorriso ou a nossa lágrima, a nossa alegria ou a nossa tristeza, a nossa paz ou a nossa indignação. Um momento para abrir o coração apenas ao que merece estar no nosso coração.
Veio então essa musa nocturna que de repente nos fala ao ouvido, primeiro de forma leve, muito leve, quase imperceptível, e que vai pouco a pouco entrando em nós, nos nossos olhos e nos nossos ouvidos, na nossa razão e nos nossos devaneios, nos nossos gestos e nos nossos sonhos. Até tomar conta do nosso corpo. De forma total e imperiosa. Aí não há nada a fazer. Sentamo-nos à secretária, pegamos na caneta, e ouvimos o que ela tem para nos dizer.
Nem sempre a entendemos. Há nela ecos de tantas leituras, de tantas imagens, de tantas memórias. Nem sempre nos entendemos. Há em nós tantos nós, tantos sentidos e tantos instantes, tantas certezas e tantas hesitações. Também não sei se é preciso que tudo seja sempre compreensível!
Nasceram então estas minhas reminiscências da luz, como se houvesse uma memória para lá de nós, que está connosco e que ignoramos (que faz parte da nossa solidão mas que nos impede em absoluto de sermos solitários). A luz não é nunca aquela lâmpada que acendemos quando a noite cai docemente sobre nós mas esse brilho, essa faísca guardada na mais profunda prega do nosso ser só (e que aqueles que nos conhecem e nos amam levemente vislumbram). Vultos vieram povoar a penumbra dessas horas à espera da alvorada. Deixei-os entrar. Acolhi-os. Pedaços de mulheres (quase sempre), delírios ou fantasmas que me encheram as noites de uma vida para lá da vida. E como é bom sabermos que há sempre vida para lá da vida! Vozes vieram que tiveram a ousadia de falar por mim, em meu lugar, que me fizeram dizer coisas que ignoro, como uma segunda vida, uma reminiscência de uma outra existência, um real para lá do real, uma memória dispersa ou perdida ou inventada. Como a bouche d’ombre de Victor Hugo, saída das profundezas da terra e da alma.
E depois, quando tudo parecia consumado, veio a Isabel, feita Rainha Santa Isabel, a abrir o manto e a deixar cair livros em vez de rosas – mas com a conivência do marido… -, e muito mais do que livros, a distribuir em todos nós alegria e generosidade, afecto e disponibilidade, uma alma grande onde há lugar para tudo e para todos, que nada recusa a ninguém e para quem nada é impossível. A Isabel sempre atenta e em escuta, livre e presente. A Isabel que todos conhecemos.
E veio ainda o José/ Francisco, amigo e cúmplice deste outro lado de nós. Que aceitou, sem hesitação, emprestar a sua cultura, a sua sensibilidade e a sua eloquência a estas páginas despretensiosas. Quando pensei pedir-lhe para estar hoje aqui comigo, veio-me à memória uma canção de Serge Reggiani,
Ce qui me plait dans ce duo, c’est que tu fais la voix du haut. C’est toi qui sais, c’est toi qui dis, c’est toi qui penses et moi je suis ! … nous sommes ensemble un vieux couple!
E por fim veio este auditório com tantos amigos. Que eu sei estarem sempre comigo!
E porque estamos no Museu de Santa Clara – que tão gentilmente nos acolhe (e a cujo director devo uma palavra de gratidão) -, e porque Inês de Castro – figura que sempre olhei aliás com uma vaga indiferença - foi uma presença que se impôs, num estranho mosaico de crime, injustiça e traição e a partir da qual fui desenhando outros fantasmas, quase sempre de feminino contorno –, porque Inês de Castro aqui foi velada pelas irmãs clarissas na noite em que foi assassinada, gostaria de terminar este nosso encontro de uma forma diferente.
O Prelúdio de Pélleas et Mélisande de Debussy abrirá a leitura que a Maria Manuel Almeida – amiga de sempre, desde os tempos da bata verde do Liceu Dona Maria – fará do texto Reminiscências da Luz (onde a voz da Inês do passado se cruza com a voz de uma Inês do presente) acompanhando as fotografias de Bruno Sacadura que o inspiraram.
Vamos ver e ouvir.
Muito obrigada pela vossa presença amiga e pela vossa atenção.»
16 de Dezembro de 2011
Museu do Mosteiro de Santa Clara
Cristina Robalo Cordeiro
Sem comentários:
Enviar um comentário