quarta-feira, outubro 12, 2011

«UM LEGADO DE PETRARCA» de NATÁLIA QUEIRÓS

Rita Marnoto, Natália Queirós, Maria José Azevedo Santos, Isabel de Carvalho Garcia

Quarteto de Cordas «Ars Camerae»




Com uma sala cheia de familiares, amigos e colegas da autora, decorreu na Casa da Cultura a apresentação do livro "Um Legado de Petrarca" de Natália Queirós, uma edição da MinervaCoimbra.
Em nome da editora, Isabel de Carvalho Garcia agradeceu à autora a preferência com que esta foi distinguida  ao ser elegida para publicar um livro desta distinta e ilustre juíza jubilada. Isabel Garcia  teceu rasgados elogios a esta Senhora de elevado carácter profissional, social e humano com que teve a felicidade de se cruzar e poder colaborar. “A Dra Natália Queirós é uma mulher muito bonita por dentro e por fora, que tive o privilégio de ter conhecido”, referiu ainda.


A apresentação da autora foi feita por Maria José Azevedo Santos (Vice- Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e Professor da FLUC) e o livro por Rita Marnoto (Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), especialista em Petrarca.
O Evento contou com um magnífico concerto pelo Quarteto de Cordas "Ars Camerae" e com a declamação de poemas da autora por alguns dos elementos do Clube de Leitura da Biblioteca de Cantanhede.

Deixamos aqui o Prefácio de Rita Marnoto

«Petrarca — ou a poesia

 Quando perguntei à Senhora Dr.ª Natália Queirós o que a levara a dar como título, a este livro formado por trinta sonetos, Um legado de Petrarca, a sua resposta imediata foi a de que Petrarca representava a poesia. Poucas formulações poderiam exprimir, de forma tão sintética e incisiva, o diálogo entre tempos, vivências e modos de sentir a palavra que é transmitido pelos seus versos.


Francesco Petrarca viveu entre 1304 e 1374 e a bom título é designado, por Ernest Renan, como o primeiro moderno. Na verdade, foi o poeta que mais cedo desvendou aquele mundo de emoções, perplexidades e contradições que fazem parte da nossa sensibilidade, alojando-se nas profundezas da condição humana. Fê-lo através da poesia, que é sem dúvida uma forma privilegiada de penetrar nesse manancial de afectos e sentidos, propulsionando novas dimensões de conhecimento. Um dos motivos pelos quais Petrarca descobriu a poesia, tal como hoje a entendemos, foi a sua consciência de que as palavras trazem dentro de si o mundo, e como tal também toda a carga de contradições que dele faz parte, expressa, sob o ponto de vista estilístico, através de famosas figuras de oposição. Assim se pode compreender que tenha sido um ponto de referência na arte da palavra, aos longo dos séculos, e que continue a sê-lo, na actualidade.


Ora, o fascínio deste livro decorre, muito particularmente, de um acto que é simultaneamente de recepção, de transmissão e de dádiva. Com efeito, inscreve-se na senda de uma tradição poética de valor secular, a de Petrarca e do petrarquismo. Confere-lhe, porém, um tratamento muito pessoal, como se a estivesse a declinar, recriando-a de modo próprio. São extremamente diversas as vivências exploradas nas suas páginas, todas elas, aliás, intensíssimas. Um legado — diz o título, com toda a subtileza. Os caminhos de Petrarca foram sendo sucessivamente retomados por inúmeras gerações de poetas. Também a sensibilidade da poetisa Natália Queirós os percorre, para os dar a ler ao seu público, através da cadeia da palavra poética.


A plenitude da vida exala do sonho e da determinação, desde os primeiros sonetos do volume. A autora dá-se ao mundo e vibra com ele, num sentido de comunhão e de pertença dotado de uma intensidade tal que deixa de ser ela própria, para passar a ser outrem, como no poema que começa, “Eu deixei de ser eu, perdi meu ser” (Perdi-me em ti...). Contudo, esse fervor num ideal é da mesma feita acompanhado pela consciência viva, tão petrarquiana, de que a contradição tudo mina. O amor é deslumbrante, mas, e logo desde o soneto de abertura (Quando os sonhos persistem),


[…] tão só, uma formosa ria,
em que a minh’alma ansiosa se banhou
quando eu de um oceano carecia!


Como tal, o sentido de limite erige-se em trampolim que relança o desejo de atingir sempre novos patamares. O presente é a instância do efémero, e também Petrarca tinha um sentido muito agudo do carácter transitório de todas as coisas, que lhe fora transmitido pelos estóicos. A fugacidade impregna quer a dor, quer a alegria, devoradas, uma e outra, pela passagem do tempo —“Há-de passar a dor e a alegria” (Perene). Por isso, o sentido da vida não pode residir na superficialidade das coisas, nas pequenas ambições materiais, nem em polémicas e ódios estéreis. Os grandes valores assumem então uma dimensão interior que vai para além das insignificâncias do dia a dia, dando oportunidade, ao ser humano, de mostrar a sua verdadeira grandeza — “Tu que cuidas teu corpo, hora após hora, / da tua alma acaso já cuidaste?”, escreve no soneto intitulado Aviso, aviso nesse mesmo sentido dos avisos espirituais que serviam para guiar os deslumbrados pela errância no vazio. É neste ponto que se desprende, das páginas deste legado, um conjunto de valores de ordem ética, cívica e social, entretecido em filigrana. Condensa, afinal, essa vastidão das fronteiras do humano, na profundeza das suas declinações.


A poesia é, da mesma feita, uma vontade ordenadora, na forma que dá a sentimentos e experiências, a factos e a coisas. É-o também, num movimento de perfeito equilíbrio especular, na forma poética escolhida, de cunho clássico — o soneto. Cultivar, nos tempos que correm, esta forma, com o rigor com que o faz a poetisa Natália Queirós, mostra-se extremamente significativo. Trata-se de uma forma fixa constituída, como é sabido, por duas quadras e dois tercetos, que contou com a preferência de Petrarca.


Ao longo destes trinta sonetos, a dimensão humana enche-se de valências que vão do arrebatamento lírico e da entrega total à consciência da caducidade das coisas ou à desmontagem das suas contradições, com implicações de índole pessoal, ética e social. O esteio desse percurso é a poesia, ou melhor, retomando as palavras da autora, aquele Petrarca que representa a poesia.


É assim que as oposições que nos habitam encontram na ordem das palavras, no valor das palavras e na ordem dos versos, um dos seus fundamentais esteios. Ao transmitir-nos este legado de Petrarca, feito seu, Natália Queirós conduz-nos para o âmago da poesia.»


                                      Rita Marnoto


Natália Queirós, nascida em Lisboa e radicada há longa data em Coimbra, licenciada em Direito ingressa a seu tempo na judicatura judicial, função de que ora se encontra jubilada. Independentemente das várias tarefas e funções que vem exercendo teve, desde sempre, a imperiosa necessidade de escrever (não só poesia). Cumprindo a ingência desta vocação tem vindo, após a jubilação, a tentar materializá-la. Desta forma, e sendo as crianças e a juventude o terreno a que entende dever dar-se particular atenção na formação literária e de lingua pátria começou por, num período de cinco anos e em regime de puro voluntariado com a participação de alunos do Colégio dos Órfãos de S. Caetano, criar e manter um pequeno Jornal “o Colégio” cujos modestos donativos revertiam a favor daqueles. Foi uma actividade gratificante e útil durante o tempo que foi possível. Em simultâneo, durante o ano 2005, colaborou com a Antena 2 no programa “Sarabanda”, da responsabilidade de Judite Lima, com a rubrica “Máscaras” – Crónicas sobre assuntos hodiernos de vária índole. Entretanto e sentindo, desde sempre, o teatro como um outro meio priveligiado de cultura a inserir na formação dos jovens criou, com o aval do respectivo município, o Grupo de Teatro Infanto-Juvenil da Biblioteca Municipal de Cantanhede. No contexto desta actividade e na ausência de literatura adequada foi escrevendo as respectivas peças, nove das quais integram o seu primeiro livro dado a público em Novembro passado – “Brincando ao Faz de Conta” – peças na generalidade escritas em verso, tipo redondilha maior, para melhor memorização pelos jovens actores e com uma forte componente cultural e formativa. Escreveu ainda alguns Contos, logrando prémios em Certames Literários. Da poesia stricto sensu só ora se atreve, com alguma ousadia, a partilhá-la com o público.

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