Rita Marnoto, Natália Queirós, Maria José Azevedo Santos, Isabel de Carvalho Garcia
Quarteto de Cordas «Ars Camerae»
Em nome da editora, Isabel de Carvalho Garcia agradeceu à autora a preferência com que esta foi distinguida ao ser elegida para publicar um livro desta distinta e ilustre juíza jubilada. Isabel Garcia teceu rasgados elogios a esta Senhora de elevado carácter profissional, social e humano com que teve a felicidade de se cruzar e poder colaborar. “A Dra Natália Queirós é uma mulher muito bonita por dentro e por fora, que tive o privilégio de ter conhecido”, referiu ainda.
A apresentação da autora foi feita por Maria José Azevedo Santos (Vice- Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e Professor da FLUC) e o livro por Rita Marnoto (Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), especialista em Petrarca.
O Evento contou com um magnífico concerto pelo Quarteto de Cordas "Ars Camerae" e com a declamação de poemas da autora por alguns dos elementos do Clube de Leitura da Biblioteca de Cantanhede.
Deixamos aqui o Prefácio de Rita Marnoto
«Petrarca — ou a poesia
Quando perguntei à Senhora Dr.ª Natália Queirós o que a levara a dar como título, a este livro formado por trinta sonetos, Um legado de Petrarca, a sua resposta imediata foi a de que Petrarca representava a poesia. Poucas formulações poderiam exprimir, de forma tão sintética e incisiva, o diálogo entre tempos, vivências e modos de sentir a palavra que é transmitido pelos seus versos.
Francesco Petrarca viveu entre 1304 e 1374 e a bom título é designado, por Ernest Renan, como o primeiro moderno. Na verdade, foi o poeta que mais cedo desvendou aquele mundo de emoções, perplexidades e contradições que fazem parte da nossa sensibilidade, alojando-se nas profundezas da condição humana. Fê-lo através da poesia, que é sem dúvida uma forma privilegiada de penetrar nesse manancial de afectos e sentidos, propulsionando novas dimensões de conhecimento. Um dos motivos pelos quais Petrarca descobriu a poesia, tal como hoje a entendemos, foi a sua consciência de que as palavras trazem dentro de si o mundo, e como tal também toda a carga de contradições que dele faz parte, expressa, sob o ponto de vista estilístico, através de famosas figuras de oposição. Assim se pode compreender que tenha sido um ponto de referência na arte da palavra, aos longo dos séculos, e que continue a sê-lo, na actualidade.
Ora, o fascínio deste livro decorre, muito particularmente, de um acto que é simultaneamente de recepção, de transmissão e de dádiva. Com efeito, inscreve-se na senda de uma tradição poética de valor secular, a de Petrarca e do petrarquismo. Confere-lhe, porém, um tratamento muito pessoal, como se a estivesse a declinar, recriando-a de modo próprio. São extremamente diversas as vivências exploradas nas suas páginas, todas elas, aliás, intensíssimas. Um legado — diz o título, com toda a subtileza. Os caminhos de Petrarca foram sendo sucessivamente retomados por inúmeras gerações de poetas. Também a sensibilidade da poetisa Natália Queirós os percorre, para os dar a ler ao seu público, através da cadeia da palavra poética.
A plenitude da vida exala do sonho e da determinação, desde os primeiros sonetos do volume. A autora dá-se ao mundo e vibra com ele, num sentido de comunhão e de pertença dotado de uma intensidade tal que deixa de ser ela própria, para passar a ser outrem, como no poema que começa, “Eu deixei de ser eu, perdi meu ser” (Perdi-me em ti...). Contudo, esse fervor num ideal é da mesma feita acompanhado pela consciência viva, tão petrarquiana, de que a contradição tudo mina. O amor é deslumbrante, mas, e logo desde o soneto de abertura (Quando os sonhos persistem),
[…] tão só, uma formosa ria,
em que a minh’alma ansiosa se banhou
quando eu de um oceano carecia!
Como tal, o sentido de limite erige-se em trampolim que relança o desejo de atingir sempre novos patamares. O presente é a instância do efémero, e também Petrarca tinha um sentido muito agudo do carácter transitório de todas as coisas, que lhe fora transmitido pelos estóicos. A fugacidade impregna quer a dor, quer a alegria, devoradas, uma e outra, pela passagem do tempo —“Há-de passar a dor e a alegria” (Perene). Por isso, o sentido da vida não pode residir na superficialidade das coisas, nas pequenas ambições materiais, nem em polémicas e ódios estéreis. Os grandes valores assumem então uma dimensão interior que vai para além das insignificâncias do dia a dia, dando oportunidade, ao ser humano, de mostrar a sua verdadeira grandeza — “Tu que cuidas teu corpo, hora após hora, / da tua alma acaso já cuidaste?”, escreve no soneto intitulado Aviso, aviso nesse mesmo sentido dos avisos espirituais que serviam para guiar os deslumbrados pela errância no vazio. É neste ponto que se desprende, das páginas deste legado, um conjunto de valores de ordem ética, cívica e social, entretecido em filigrana. Condensa, afinal, essa vastidão das fronteiras do humano, na profundeza das suas declinações.
A poesia é, da mesma feita, uma vontade ordenadora, na forma que dá a sentimentos e experiências, a factos e a coisas. É-o também, num movimento de perfeito equilíbrio especular, na forma poética escolhida, de cunho clássico — o soneto. Cultivar, nos tempos que correm, esta forma, com o rigor com que o faz a poetisa Natália Queirós, mostra-se extremamente significativo. Trata-se de uma forma fixa constituída, como é sabido, por duas quadras e dois tercetos, que contou com a preferência de Petrarca.
Ao longo destes trinta sonetos, a dimensão humana enche-se de valências que vão do arrebatamento lírico e da entrega total à consciência da caducidade das coisas ou à desmontagem das suas contradições, com implicações de índole pessoal, ética e social. O esteio desse percurso é a poesia, ou melhor, retomando as palavras da autora, aquele Petrarca que representa a poesia.
É assim que as oposições que nos habitam encontram na ordem das palavras, no valor das palavras e na ordem dos versos, um dos seus fundamentais esteios. Ao transmitir-nos este legado de Petrarca, feito seu, Natália Queirós conduz-nos para o âmago da poesia.»
Rita Marnoto
Natália Queirós, nascida em Lisboa e radicada há longa data em Coimbra, licenciada em Direito ingressa a seu tempo na judicatura judicial, função de que ora se encontra jubilada. Independentemente das várias tarefas e funções que vem exercendo teve, desde sempre, a imperiosa necessidade de escrever (não só poesia). Cumprindo a ingência desta vocação tem vindo, após a jubilação, a tentar materializá-la. Desta forma, e sendo as crianças e a juventude o terreno a que entende dever dar-se particular atenção na formação literária e de lingua pátria começou por, num período de cinco anos e em regime de puro voluntariado com a participação de alunos do Colégio dos Órfãos de S. Caetano, criar e manter um pequeno Jornal “o Colégio” cujos modestos donativos revertiam a favor daqueles. Foi uma actividade gratificante e útil durante o tempo que foi possível. Em simultâneo, durante o ano 2005, colaborou com a Antena 2 no programa “Sarabanda”, da responsabilidade de Judite Lima, com a rubrica “Máscaras” – Crónicas sobre assuntos hodiernos de vária índole. Entretanto e sentindo, desde sempre, o teatro como um outro meio priveligiado de cultura a inserir na formação dos jovens criou, com o aval do respectivo município, o Grupo de Teatro Infanto-Juvenil da Biblioteca Municipal de Cantanhede. No contexto desta actividade e na ausência de literatura adequada foi escrevendo as respectivas peças, nove das quais integram o seu primeiro livro dado a público em Novembro passado – “Brincando ao Faz de Conta” – peças na generalidade escritas em verso, tipo redondilha maior, para melhor memorização pelos jovens actores e com uma forte componente cultural e formativa. Escreveu ainda alguns Contos, logrando prémios em Certames Literários. Da poesia stricto sensu só ora se atreve, com alguma ousadia, a partilhá-la com o público.
Sem comentários:
Enviar um comentário