sábado, janeiro 03, 2009

A Bela e o Monstro



As Edições MinervaCoimbra promoveram uma sessão de apresentação do livro “A BELA E O MONSTRO - publicidade,sociedade da informação e tematização“ de Ruth Gregório na Livraria Bulhosa, do Campo Grande, em Lisboa.

A abrir a sessão, Isabel de Carvalho Garcia justificou a pertinência da apresentação deste livro nesta época, uma vez que a autora se encontra em Londres onde vive actualmente e exerce a sua actividade profissional, tendo sido dificil conseguir uma data que conviesse a todos os intervenientes.

O livro resulta da tese de doutoramento de Ruth Gregório, em sociologia da comunicação, e foi apresentado pelo seu orientador, José Manuel Paquete de Oliveira, sociólogo e provedor do telespectador da RTP:

“De forma pouco ortodoxa e pedagógica, e até imprópria, eu seria capaz de aconselhar ao leitor deste livro que fizesse o exercício de ler, em primeiro lugar, o último capítulo, com o título «Observações Finais». E porquê? Julgo que para a leitura de livros deste género, ou seja de tese, é condição inestimável receber ou descobrir um guião de leitura. Ora, a autora desta obra, que resulta de uma dissertação para provas de doutoramento, Ruth Gregório, consegue nas últimas oito páginas, fazer um excelente e muito lúcido resumo da tese apresentada. Não é que essa lucidez, expressão de inteligência, e essa clarividência de raciocínio, num texto claro e incisivo, não fiquem demonstradas ao longo do livro. Mas depois de ler o capítulo final, o leitor sentir-se-á fortemente motivado para ir à procura das premissas ou da argumentação em que repousa esta tese doutoral. E facilmente concordará que o meu conselho não era para dispensar a leitura integral do texto. Antes, para sugerir o comprazimento da leitura de um livro que, porventura, colado à ideia de que de uma tese de doutoramento se trata, corre sempre o risco de ser marcado por preconceitos que reservam os trabalhos académicos para os académicos de profissão. Não é o caso deste trabalho da Ruth Gregório.

Um antigo meu professor universitário, metodólogo, aconselhava que os livros de estudo deveriam sempre começados a ler pelo índice. E como são muitos os que repetem tratamento dos mesmos assuntos era imprescindível fazer uma selecção criteriosa da leitura.

Provavelmente, inspiro-me nesse conselho, para a sugestão que faço aos leitores. Mas penso esta minha recomendação algo diferente. Sinceramente tem como intenção provocar o estímulo para uma leitura total deste esfíngico livro, A Bela e o Monstro.

Numa longa investigação, Ruth Gregório teve como principal objectivo «explorar, descrever e explicar como é que o tema «Sociedade da Informação» é representado em spots publicitários» em dois países, Irlanda e Portugal. E mais concretamente explicita os seus intentos: «saber que papéis a publicidade desempenha na definição, formação e promoção» da dita «Sociedade da Informação».

A partir de uma concepção que se enquadra no construtivismo social, a tese desenvolve três principais premissas: a realidade é socialmente construída, reproduzida, apropriada, deslocada e transformada; nas actuais sociedades são os mass media as principais agências de mediação e construção da realidade social; a publicidade é um importante veículo de comunicação social, devendo o seu discurso ser objecto de análise, como construtor de códigos significativos, cuja interpretação constitui importante campo de análise sociológica. A autora desenvolve a investigação, deixando ao leitor decifrar quem é o monstro ou a bela, entre o sistema publicitário e a sociedade da informação. O que a autora procura é ao olhar as questões que compõem o tema «sociedade da informação» qual é, afinal, o papel da publicidade na construção desse tema. A «Sociedade da Informação» é, hoje, uma das denominações dominantes para referir o período histórico que vivemos e um conceito-chave na redefinição das agendas políticas e económicas. É matéria de interessante e intrigante investigação perceber como é que, através do discurso publicitário, essa «sociedade da informação», nos é apresentada quer na sua dimensão social e cultural, quer na carga simbólica, ideológica e utópica que comporta.

Por circunstâncias várias e, sobretudo, por diferentes opções políticas, Portugal e Irlanda seguiram vias diferenciadas para o desenvolvimento. A Irlanda, desde os meados dos anos noventa, é apontada como uma referência na área das novas tecnologias e teve um desenvolvimento económico tido como protótipo e exemplo a seguir. De certa maneira, em posições opostas, não deixa de ser aliciante comparar estes dois países a propósito da matéria em observação.

Baseada em autores de referência no estudo e investigação deste tema, Ruth Gregório constrói um modelo de análise que lhe permita sobre o terreno constatar indicadores e valores-referência que caracterizem o universo dos campos em observação.

Um modelo de análise traça a via ou as vias do percurso a perfazer para realizar uma pesquisa científica. E como tal, não aponta só o caminho. Preconiza, para não dizer condiciona de certo modo, os resultados, as conclusões. Ruth Gregório não ignora os procedimentos metodológicos e os pressupostos epistemológicos para resguardar o desenvolvimento da investigação de naturais intromissões de um subjectivismo sempre inerente a trabalhos deste género. Os diversos tipos de códigos que elabora, com diferentes combinações, são os elementos que vão servir para sinalizar as características específicas de cada dimensão atribuída ao discurso publicitário sobre a «Sociedade da Informação». É uma elaboração cuidada, mas difícil e complicada, que constitui o instrumento básico para a medição quantitativa e qualitativa dos dados que vão permitir discorrer sobre o objecto material da investigação e, ao fim e ao cabo, proporcionar tirar ilações do estudo comparado entre os discursos publicitários empreendidos nos dois espaços públicos dos dois países Portugal e Irlanda. É, porventura, a parte mais académica deste trabalho que exige alguma perseverança na leitura.

Conforme Ruth Gregório esclarece, a publicidade é simultaneamente um vector económico, uma instituição social, uma forma cultural, mas também «um veículo de comunicação que tem desde sempre acompanhado os movimentos e dinâmicas da sociedade onde se insere». É, portanto, uma instância produtora de sentido nas interpretações que transmite ou configura da dita «Sociedade da Informação». Realiza esse papel ao nível das políticas governamentais, ao nível das políticas empresariais, e das próprias lógicas do discurso social utilizado pela generalidade dos cidadãos. Deste modo, como diz a própria autora «a Sociedade da Informação» é a um tempo «um tema socio-culturalmente significativo e um veículo de comunicação com um importante papel de mediação no contexto das sociedades modernas». «A publicidade mais do que uma simples técnica comercial é uma importante instituição socio-cultural». Deste modo, elegê-la como um campo de análise para estudar a sociedade em que está inserida é uma correcta opção de investigação. A publicidade propõe modelos, normas, papéis sociais, esquemas de comportamento, modos de vida e estereótipos em práticas e ideias, «daí o interesse sociológico em tomar a publicidade como objecto de análise».

E a partir das políticas governamentais ou das enormes cadeias da industrialização ou comercialização, a «Sociedade de Informação» tem sido um valor semântico de reprodução e produção ideológica e cultural primordialmente escolhido para espalhar os referenciais de «um mundo novo», uma sociedade contemporânea, construída numa dimensão real, mas também profundamente simbólica e até mitológica, pelo elogio às ferramentas tidas como essenciais ao desenvolvimento económico e social, as novas tecnologias da informação e comunicação.

Da análise feita, constata-se interessantes similitudes e não menos contrastantes diferenças entre os dois países, Portugal e Irlanda. Ao nível dos discursos publicitários, ao nível das diferenças da realidade económica, cultural e social. Mas esta é a informação que o leitor curioso deve procurar na leitura do livro e não cabe a um simples prefácio roubar-lhe a satisfação dessa descoberta.

Portanto, sem adiantar muito, poderemos dizer que este estudo de Ruth Gregório vai conseguir estabelecer paralelos e diferenças interessantes entre os dois países: «Portugal e Irlanda são ambos pequenos países, geograficamente isolados, Estados-membros da União Europeia», onde a «Sociedade da Informação» é vista como solução para o seu contínuo desenvolvimento». Portugal é uma sociedade «mais secular, mais materialista, com menor índice de desenvolvimento humano, menos informatizado e menos globalizado do que a Irlanda e esta, o Tigre Celta, mais tradicional, mais pós-moderno, com maior índice de desenvolvimento humano, mais informatizado e mais globalizado».

O curioso do trabalho de Ruth Gregório é como é possível confirmar ou negar esta apreciação geral sobre os dois países através do objecto de pesquisa que analisou: discursos publicitários sobre e a propósito da «Sociedade da Informação».

Três observações finais.

Uma investigação sobre estas matérias tem sempre um grande contra. Situa-se num «tempo histórico» que, muitas das vezes, quando acaba, já não traduz, com actualidade, os dados constantes do estudo. Principalmente quando se tenta captar «frames» dessa realidade dinâmica e em contínua mutação como é a «Sociedade da Informação» ou das preciosas ferramentas que a sustentam, as novas tecnologias da informação e comunicação. Estou em crer que a alteração dos dados não muda as tendências verificadas nesta pesquisa sociológica.


Tive o prazer de orientar a socióloga autora deste trabalho, Ruth Gregório nas três teses de investigação que perfazem momentos significativos do seu até agora fecundo percurso académico: tese de licenciatura, de mestrado e de doutoramento. Aliás partilhei da sua inteligência e capacidade de trabalho, desenvolvida com entusiasmo, rigor e qualidade em relacionamento humano. Esta observação pode ser entendida como uma declaração de interesse, como sói dizer-se, mas também quero que sirva para fundamentar o elogio sincero e justo dos méritos da autora.

Uma última palavra de reconhecimento para o trabalho de valorização que as Edições MinervaCoimbra, sob a inteligente e competente coordenação do professor Mário Mesquita e o arrojo editorial dos seus responsáveis José Alberto Garcia e Maria Isabel Garcia, vêm realizando, em prol da divulgação de investigações académicas que muito têm concorrido para a afirmação das ciências da comunicação em Portugal”.

José Manuel Paquete de Oliveira










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