domingo, novembro 23, 2008

Viagens ao entardecer com a morte dentro

Isabel de Carvalho Garcia, Isabel Cristina Rodrigues,
Carlos M. Rodrigues e Nuno Rodrigues



As Edições MinervaCoimbra lançaram esta sexta feira o livro “Viagens ao entardecer”, de Carlos M. Rodrigues, um conjunto de trinta e nove textos, escritos na sequência de outros tantos tratamentos de radioterapia a que o autor se submeteu nos Hospitais da Universidade de Coimbra. A sessão decorreu na Casa Municipal da Cultura e a obra foi apresentada por Isabel Cristina Rodrigues, acompanhada com leitura de excertos por Nuno Rodrigues, ambos filhos do autor.

Segundo a docente da Universidade de Aveiro, o facto de o livro ser constituído por textos escritos na sequência de tratamentos de radioterapia poderia, à partida, situar o volume “fora do circuito criativo onde se inscreve a grande maioria dos textos de ficção, o que só em parte acaba por ser verdade”.

Ou, acrescentou, “talvez tenha começado efectivamente por sê-lo, tanto na intenção do escritor como nos primeiros textos do livro, tendo depois o autor conseguido desprender-se da circunstancialidade clínica de onde partiu para a escrita (e que se materializa na realidade do trajecto entre a casa e o hospital), para passar a habitar um espaço marcado por uma deslocação de outra índole a que me apetece baptizar aqui de deslocação interior, onde a palavra viagem funciona já como metáfora de outra coisa – metáfora da memória que involuntariamente nos prende aos sinuosos trajectos da experiência e metáfora da própria vida como passagem efémera e fugaz”.

Recorrendo a uma das epígrafes de “Viagens ao entardecer”, da autoria de Gaston Bachelard, que referiu que «a morte só é consciente quando se exprime por metáforas», Isabel Cristina Rodrigues afirmou também que “a viagem só é consciente quando se exprime por metáforas”, sendo que “a mais longa viagem de Carlos M. Rodrigues é, pois, a viagem da escrita, não exactamente aquela que resulta da expressão confessional de tudo o que há de excessivo numa situação-limite como a da doença (e que por vezes sabemos exigir a exterioridade da palavra), mas a da escrita enquanto evidência material de todo o processo criativo”.

Ainda segundo a apresentadora da obra, a viagem de “Viagens ao entardecer” é a “viagem da escrita em busca da anulação da morte como previsível porto de chegada”. No entanto, concluiu, “quanto a mim, as melhores páginas de «Viagens ao entardecer (com a morte dentro)» são aquelas em que o autor, longe já do passado que viveu, aceita viajar por dentro do presente dos parceiros que acompanharam a sua espera na sala-barco dos HUC, intuindo talvez que a capacidade de observação do sujeito corresponde ao grau zero de um escritor”.

A grande mais-valia deste livro, finalizou Isabel Cristina Rodrigues, “é a que decorre da tentativa de decifração dessa mancha humana que tinge com a dor do quotidiano a previsibilidade de um espaço invadido pela realidade do sofrimento e pela ameaça da morte”.

















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