No âmbito do Seminário Luso-Brasileiro "Censura, Ditadura e Democracia", que decorre nos dias 8 e 9 de Maio, em Lisboa, promovido pela Fundação Mário Soares, com a colaboração da Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo (ECA/USP), e do Centro de Investigação Media e Jornalismo de Lisboa (CIMJ), realiza-se, no dia 8, quinta-feira, às 18h00, o lançamento do número especial da revista Media & Jornalismo (CIMJ) n.º12.
Subordinado ao tema ESTUDOS DE TEATRO E CENSURA. PORTUGAL-BRASIL, sob a orientação de Ana Cabrera, a obra será apresentada por Graça Santos (Universidade de ParisX-Nanterre).
A revista Media & Jornalismo é uma revista do Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ) dirigida por Nelson Traquina, Estrela Serrano e Cristina Ponte e publicada pelas Edições MinervaCoimbra.
Esta revista do CIMJ, editada desde 2002, é uma revista científica que tem como objectivo constituir um espaço de debate e divulgação da pesquisa realizada sobre os media e o jornalismo, dentro e fora do país.
Editorial
Uma espécie de tirania do presente dita hoje a agenda contemporânea, remetendo a memória e a sua arqueologia para a esfera do saudosismo, centrando a vida quotidiana no progresso e nas realizações do imediato. Mas a verdade é que o ser humano tem memória e essa memória é fundamental para um agir consciente. Nenhum presente existe sem um passado.
Investigar o passado é muitas vezes investigar, não necessariamente o que foi dito, mas os seus silêncios, fruto de forças políticas no poder, que usaram mecanismos conscientes e deliberados para manipular o conhecimento e inibir desejos, atitudes, emoções e criatividade individual. A censura é um destes mecanismos. Nestas circunstâncias os agentes do poder usam a memória colectiva, e manipulam-na, na medida em que controlam os mecanismos de difusão do conhecimento.
Foi isto que aconteceu no Estado Novo em Portugal, tal como em outros países que conheceram ditaduras. Trazer à actualidade as formas como os regimes de Salazar, Caetano e Vargas controlaram a informação é realizar uma espécie catarse social no sentido de consciencializar os mecanismos de controlo que afectam as nossas realizações simbólicas e culturais e assim impedem o exercício pleno da liberdade.
O número 12 da Revista Media e Jornalismo, organizado por Ana Cabrera, apresenta uma série de estudos sobre a censura ao teatro em Portugal e no Brasil durante regimes que, nos dois países, tomaram o nome de Estado Novo.
Em Outubro de 2006, o Curso de Comunicação e Artes da Universidade de S. Paulo estava a realizar vários projectos de investigação em torno do Arquivo Miroel Silveira. Este Arquivo contém os processos da censura ao teatro no período do Estado Novo brasileiro. Foi com base neste arquivo que se realizaram diversos estudos em S. Paulo, que depois deram origem ao seminário Censura em Cena, onde foram apresentadas diversas comunicações e publicações.
Ano e meio depois, apresentamos não só os resultados da investigação realizada no Brasil, mas também estudos sobre a censura ao teatro no Estado Novo que entretanto realizámos em Portugal.
Alfredo Caldeira, em “A censura a que temos direito”, traça o percurso da censura ao longo do século XIX e XX. Defende que ao longo da História, a imposição da censura e de práticas censórias foi justificada pelo “nosso” interesse, pela defesa dos interesses dos cidadãos ou, mais exactamente, dos súbditos. E, muitas vezes, a justificação é a própria liberdade de expressão e de pensamento. Por isso, a censura – dos livros aos jornais, do teatro ao cinema e às artes, da rádio à televisão ou à Internet – é uma realidade de muitos e diferentes contornos, com justificações e práticas as mais variadas, mas sempre com uma receita segura: defender os nossos espíritos de influências maléficas.
“A censura ao teatro no período marcelista” é o resultado da investigação centrada no Arquivo do Secretariado Nacional de Informação relativo às Actas e aos Relatórios da Comissão de Censura. Com base neste fundo da Torre do Tombo, Ana Cabrera centro o estudo da censura ao teatro em Portugal entre 1968-1974. O texto analisa o quadro legal, a organização dos Serviços de Censura e a forma de actuação das Comissões de Censura.
Graça Santos, em “A Política do espírito: O bom gosto obrigatório para embelezar a realidade”, analisa a forma como o salazarismo utilizou a arte para a sua propaganda e o seu prestígio e a acção de António Ferro que, à cabeça dos serviços de propaganda do regime, define a estratégia propagandista do Estado Novo em articulação com o mundo das artes, de forma a impor uma estética oficial do regime.
“Censura: O dano irrecuperável ao teatro brasileiro” é um depoimento de Renata Pallottini, poeta, ensaísta e professora, que viveu directamente os constrangimentos da censura, uma vez que se estreou no teatro profissional em 1964.
Maria Cristina Castilho Costa, Coordenadora Geral do Projecto Temático “A cena paulista: um estudo da produção cultural de São Paulo, de 1930 a 1970, a partir do Arquivo Miroel Silveira” apresenta os resultados da pesquisa. Neste artigo, incluem-se algumas análises dos tipos de censura. Este estudo demonstra que a censura no Brasil não foi apenas uma prerrogativa do Estado, mas foi também o resultado de uma aliança entre o Governo, a Igreja Católica, sectores conservadores da sociedade e a elite obscurantista, com a finalidade de impedir o espírito crítico e a liberdade na expressão artística.
Mayra Rodrigues Gomes, em “Palavras proibidas”, apresenta as conclusões de um estudo sobre as expressões e palavras que foram censuradas nas peças de teatro. Tem como corpus os processos de censura que constituem o Arquivo Miroel Silveira. Neste texto, a autora reflecte em torno dos pressupostos e subentendidos que estavam presentes na actuação do censor, e coloca em dados quantitativos as incidências detectadas. Paralelamente, faz emergir os focos, ou campos temáticos, privilegiados pelo censor.
“Teatro amador – uma rede de comunicação e sociabilidade para a comunidade lusófona na primeira metade do séc. XX” é um artigo de Roseli Fígaro, que estuda o Circuito Cultural do Teatro Amador e Operário Luso-brasileiro na cena paulista. Neste trabalho, que também tem origem no Arquivo Miroel Silveira, analisam-se as práticas culturais e comunicativas dos trabalhadores imigrantes portugueses em São Paulo, Brasil. A acção dos grupos de teatro amador concorreu fortemente para aproximar a comunidade lusófona, criando um verdadeiro espaço de sociabilidade e de cooperação.
A Direcção
Índice
Artigos A censura a que temos direito Alfredo Caldeira Censura: o dano irrecuperável ao teatro brasileiro
Renata Pallottini
A censura ao teatro no período marcelista
Ana Cabrera
“Política do espírito”: O bom gosto obrigatório para embelezar a realidade
Graça dos Santos
A cena paulista: um estudo da produção cultural de São Paulo, de 1930 a 1970 a partir do Arquivo Miroel Silveira
Maria Cristina Castilho Costa
Palavras Proibidas. Conclusões de um Estudo sobre Expressões Censuradas em Peças Teatrais
Mayra Rodrigues Gomes
Teatro amador – uma rede de comunicação e sociabilidade para a comunidade lusófona na primeira metade do séc. XX
Roseli Fígaro
Recensões
Isabel Ferin, (Coord.), (2006). A Televisão das Mulheres: ensaios sobre a recepção. Lisboa: Bond
Rita Figueiras
Felisbela Lopes (2007). A TV das Elites – estudo dos programas de informação semanal dos canais generalistas (1993-2005). Porto: Campo das Letras
Ana Luísa Rodrigues
Justin Lewis, Rod Brookes, Nick Mosdell, e Terry Threadgold (2006). Shoot First And Ask Questions Later: Media Coverage of the 2003 Iraq War. New York: Peter Lang
Nelson Traquina
Martinho, Francisco Carlos Palomanes e Pinto, António Costa (Orgs), (2007). O Corporativismo Português: Estado, política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira
Lincoln Secco
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