O Fio do Horizonte
Tanta imagem
Eduardo Prado Coelho
Público, 16 de Julho de 2007
Vivemos rodeados de imagens que têm uma característica curiosa: parecem evidentes. Enquanto perante um texto nós temos a necessidade de conhecer o alfabeto em que foi escrito, a língua em que foi pensado e redigido, a enciclopédia de conhecimentos que envolve para uma compreensão adequada e o contexto em que surge, com todas as dificuldades oculares e mentais que dominam a sua correcta recepção, uma imagem, qualquer imagem, começa por parecer ser aquilo que é e torna-se por isso, no sentido literal do termo, uma "evidência". É claro que a imagem tem as suas conotações: se vemos uma criança branca a brincar com uma criança negra, isso pode significar que não existe neste lugar ponta de racismo; ou se vemos o primeiro-ministro pestanejando de sono, isso significa que se está a insinuar o seu cansaço; e se virmos Cristiano Ronaldo a beijar na boca a apresentadora indiana das Sete Maravilhas, isso é a afirmação da cada vez maior projecção internacional do nosso celebrado futebolista. Mas isto são ainda efeitos que derivam das imagens, e não as imagens na sua constituição e estrutura. Contudo, é possível "ler" (num sentido metafórico, claro) as imagens.
Há já quase dez anos que a revista Visão tem nas suas páginas uma crónica semanal de João Mário Grilo. Muitas vezes salto páginas para ir ao encontro dos seus textos, movido por aquela curiosidade que os bons cronistas sempre suscitam: de que falará ele hoje? Na colaboração de João Mário Grilo fala-se, em textos forçosamente curtos e sintético, de coisas diversas, como exposições, livros de arte, filmes, programas de televisão, questões de política cultural relativas ao cinema, e imagens que por uma razão ou por outra circulam à nossa volta.
É uma selecção ampla do conjunto dessas crónicas que aparece agora num livro da Editora Minerva de Coimbra: O livro das imagens, com a reprodução de certas imagens de filmes (por exemplo, A noite escura de João Canijo, mas sobretudo das imagens que são objecto de uma análise específica). A Minerva tem criado colecções particularmente atentas à comunicação social, e aquela onde este livro se insere é uma delas, com textos importantes de Daniel Dayan e Elihu Katz ou Georges Balandier, ou de Mário Mesquita (que orienta a colecção), Tito Cardoso e Cunha e José Augusto Mourão. Surge agora este excelente livro, em que as crónicas aparecem descontextualizadas, e por isso não datadas, e portanto podem ser lidas de um modo solto, embora os temas remetam para circunstâncias específicas.
Um exemplo: neste livro em que tanto se fala de Gary Hill ou de Amaral Lopes, de Pedro Proença ou de Scolari, de um livro sobre August Sander, ou de um filme de Manoel de Oliveira, existe um belíssimo texto que se intitula: Jonathan. Trata-se da impressionante imagem do homem que se suicidou, lançando-se no espaço, no 11 de Setembro. O que perturba é a imagem ter uma força estética notável. E é aqui que nos interrogamos sobre os limites, ou não, da esteticização das tragédias reais. Uma crónica magnífica que define a qualidade de um livro.
quinta-feira, julho 26, 2007
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