quarta-feira, maio 30, 2007

Portugal-Alemanha: Memórias e Imaginários

PORTUGAL-ALEMANHA: MEMÓRIAS E IMAGINÁRIOS Primeiro volume: Da Idade Média ao século XVIII
Coordenação e Prefácio de Maria Manuela Gouveia Delille

In Memoriam A. H. de Oliveira Marques

Na capa: Portugalia, in: Liber chronicarum de Hartmann Schedel, Nürnberg, Anton Koberger, 1493

A obra resulta de um ciclo de conferências proferidas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no âmbito do projecto de investigação “Relações Literárias e Culturais Luso-Alemãs. Estudos de Recepção e de Hermenêutica Intercultural” do CIEG (Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos), o presente volume reúne 15 textos em que memórias históricas alternam ou se fundem com representações ficcionais do Outro, entre a Idade Média e o século XVIII. Um segundo volume abrangerá os séculos XIX e XX.


Textos de
A. H. de Oliveira Marques
Marília dos Santos Lopes
Jürgen Pohle
João José Alves Dias
Ana Maria Pinhão Ramalheira
Erwin Koller
Marion Ehrhardt
Maria Manuela Gouveia Delille
Alexandra Pinho
Peter Hanenberg
Thorsten Unger
Manuela Ribeiro Sanches
Fernando Clara
Hermann Krapoth
Dietrich Briesemeister



Prefácio Reúnem-se no presente volume os textos de um ciclo de conferências proferidas, entre Dezembro de 1999 e Abril de 2005, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no âmbito do projecto de investigação “Relações Literárias e Culturais Luso-Alemãs. Estudos de Recepção e de Hermenêutica Intercultural” do Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos. Com esta publicação pretende-se contribuir para a escrita, em grande parte ainda em construção, da história das relações literárias e culturais luso-alemãs, história essa que não nos permite cair em binarismos fáceis ou simplistas, mas que exige, muito particularmente pela distância geográfica a que os dois países se encontram e pela diferença linguística, uma constante atenção ao contexto europeu mais vasto em que as ditas relações ou contactos surgiram, se transmitiram e desenvolveram. Cada um dos investigadores convidados a participar no ciclo escolheu livremente o tema, procurando, dentro dos objectivos propostos, trazer um contributo próprio, fruto das suas pesquisas e do seu saber. São por isso pedras díspares as aqui reunidas, mas todas elas, de modo inevitavelmente diverso – umas reconstituindo ou esclarecendo factos e memórias históricas, outras concentrando-se em representações ficcionais ou ficcionalizadas –, me parecem vir preencher algumas das muitas lacunas ainda existentes na história dos contactos havidos entre Portugal e a Alemanha. Sob a designação de “Alemanha”, no período de tempo abrangido pelo presente ciclo – do século XII ao século XVIII –, entende-se, talvez seja necessário dizê-lo, o conjunto de Estados alemães pertencentes ao Sacro Império Romano (Heiliges Römisches Reich), denominado, a partir da segunda metade do século XV, Sacro Império Romano-Germânico (Heiliges Römisches Reich deutscher Nation). A abrir o ciclo surge um texto do Professor A. H. de Oliveira Marques, nosso primeiro convidado, a quem, pela excelência e pelo carácter pioneiro dos seus estudos luso-germânicos, era devida a primazia. Recuando à história prévia e aos primórdios das relações entre Portugueses e Alemães, após concisa exposição sobre as sucessivas migrações de povos germânicos para a Península Ibérica, Oliveira Marques refere o período das grandes Cruzadas como decisivo para as relações entre os Germanos e o Ocidente peninsular, sublinhando o facto de a passagem contínua das frotas de cruzados pelo litoral oeste da Península ter sido particularmente importante no estabelecimento e incremento de relações comerciais e na habituação progressiva ao contacto com outros povos e culturas. Nesse contexto, confere especial relevo ao auxílio prestado por cruzados alemães do Sacro Império na conquista de Lisboa aos Mouros e salienta a posterior fixação de alguns deles naquela cidade e em regiões circundantes. Segue-se o texto de Marília Santos Lopes, que, depois de pôr em evidência o forte interesse suscitado pelos Descobrimentos Portugueses na Alemanha, destaca o papel desempenhado por comerciantes, cronistas, tradutores e viajantes na divulgação do novo saber na Europa Central e as múltiplas formas de infiltração desses conhecimentos no discurso científico e artístico do tempo, revelando-se especialmente significativo o contributo prestado por artistas gráficos alemães para a iconografia dos Novos Mundos descobertos pelos navegadores portugueses. Jürgen Pohle, por seu lado, concentra-se no reinado de D. Manuel I, acentuando o modo como a política daquele monarca conduziu a uma aproximação dinástica entre as casas de Avis e Habsburgo e intensificou, através da concessão de generosos privilégios, a actividade dos comerciantes alemães que a expansão marítima portuguesa e o consequente tráfego tinham atraído a Lisboa. Detendo-se ainda no século XVI, João José Alves Dias, através de uma pesquisa efectuada nos registos inquisitoriais lisbonenses da época, inventaria e relata vários casos de membros da colónia alemã que, denunciados por práticas ou indícios de prática de luteranismo ou por comportamentos sociais que infringiam a normalidade vigente, foram objecto de investigação e até de condenação pela Inquisição de Lisboa. Ana Maria Ramalheira, a partir da análise de diversas publicações volantes que circularam na Alemanha de finais do século XVI sobre a batalha de Alcácer Quibir, também chamada dos Três Reis, detecta – prestando especial atenção às representações do Islão nelas contidas – uma clara tendência para a otomanização do conflito, resultante da ameaça que os Turcos representavam naquela altura para a integridade territorial e religiosa do Sacro Império Romano-Germânico. Num estudo relativo à mesma época histórica, Erwin Koller apresenta uma versão manuscrita inédita, por ele descoberta na Biblioteca de Viena de Áustria, do relato rimado Der Portugalesische Krieg, o qual incide na campanha filipina que terminou na anexação de Portugal à coroa espanhola em 1580. A comparação minuciosa levada a cabo com duas versões já conhecidas, também manuscritas, do mesmo relato permite o levantamento de novas hipóteses, quer quanto à interdependência entre os três textos e à possível existência de um ‘original’, quer sobre a forma de transmissão e versificação dessas memórias bélicas. Já no que diz respeito ao século XVII, período em que os testemunhos do relacionamento entre Portugal e a Alemanha são relativamente escassos, Marion Ehrhardt evoca a figura injustamente esquecida do infante D. Duarte de Bragança, irmão mais novo do rei D. João IV, a sua brilhante carreira militar na Europa Central, onde se distinguiu no decorrer da Guerra dos Trinta Anos, e o seu destino trágico como vítima da perseguição política dos reis espanhóis, que, em 1640, com a conivência do imperador austríaco do Reich, o encarceraram até à morte, em Milão, no ano de 1649. Maria Manuela Gouveia Delille, com base na análise dos três primeiros textos que documentam a recepção do tema inesiano na Alemanha – duas traduções, de finais ainda do século XVII, de uma novela francesa e uma sinopse, até hoje totalmente desconhecida, de um drama de molde jesuítico representado em 1735 num convento franciscano da Suábia –, compara a imagem idealizada de Inês de Castro nas duas narrativas históricas ficcionais seiscentistas com a representação disfórica dessa mesma figura naquele drama escolar, de intuitos didáctico-moralizantes, que é possível situar no ambiente próprio de uma tardia Contra-Reforma. Nos inícios do século XVIII, não obstante continuarem a ser diminutos os contactos entre Alemães e Portugueses, as obras alemãs da nova ciência da Estadística são as primeiras a acusar um interesse crescente por Portugal. Alexandra Pinho analisa as descrições do Estado Português da autoria de Adlerhold e de Schmauß, publicadas em territórios do Sacro Império no início de Setecentos, apresentando-as como exemplo da coexistência de dois modelos de estudo e de escrita dos Estados: seguindo uma concepção oriunda do século XVII, Adlerhold (1703) reúne o maior número possível de fontes, alinhando-as sem as identificar nem submeter a critérios de classificação; Schmauß, por seu turno, constrói a sua ‘nova’ descrição do Estado Português (1714) com base na classificação e avaliação das fontes, processo inerente a uma historiografia cientificamente fundamentada segundo os princípios do Primeiro Iluminismo. Cingindo-se também à primeira metade do século XVIII, Peter Hanenberg ocupa-se do romance de Johann Gottfried Schnabel, Wunderliche Fata einiger See-Fahrer [Destinos Maravilhosos de Alguns Navegadores], publicado em quatro volumes entre 1731 e 1749 – o qual Ludwig Tieck, numa edição de 1828, intitulou Die Insel Felsenburg –, procurando chamar a atenção para a imagem ficcional dos Portugueses aí apresentada, que lhe parece dever entender-se como clara manifestação de um encontro negativo com o Outro, resultante de diferentes mundividências. Os habitantes da ilha de Felsenburg representam uma comunidade ideal de origem europeia, que goza de bem-estar e riqueza, cumprindo uma rigorosa ética protestante, caracterizada pela dedicação exemplar ao trabalho. No decurso do romance, mais do que uma vez se acentua a sua superioridade em relação aos católicos portugueses, dominados por concepções hedonísticas. O Terramoto de 1755 atraiu sobre Portugal o interesse de muitos homens das ciências e das letras alemãs. Thorsten Unger apresenta-nos a tragédia burguesa 
Die Lissabonner [Os Lisboetas] (1757-1758), de Christian Gottlieb Lieberkühn, a primeira obra dramática alemã sobre o grande sismo. Nela presenciamos, no próprio dia da catástrofe, o destino trágico de uma família lisboeta que, embora tenha conseguido escapar a derrocadas e incêndios, vem a sucumbir devido às intrigas do vilão da peça. Exemplificando assim no universo ficcional a sobreposição do mal moral ao mal físico, o drama desvia-se do discurso seu contemporâneo sobre a teodiceia e põe essencialmente questões do foro antropológico-filosófico. À luz de uma teoria crítica pós-colonial, Manuela Ribeiro Sanches vem demonstrar como, no relato Viagem à volta do Mundo (A Voyage round the World, 
1777 / Reise um die Welt, 1778-1780) de Georg Forster, a descrição da estadia da expedição de Cook nas ilhas de Cabo Verde, na Madeira e nos Açores e dos contactos aí estabelecidos com os autóctones obedece aos pressupostos em que assenta o discurso coevo de matriz evolucionista sobre a história da humanidade, no qual a diferença é interpretada como atraso ou deficiência e associada à cor escura da pele. Trata-se de um modelo com uma longa história, um modelo de temporalidade ocidental, estritamente eurocêntrico, que, segundo a autora, importa contextualizar, pôr em causa e desmontar de modo a que, entre outros aspectos, se torne possível reconhecer as marcas por ele deixadas na nossa contemporaneidade. Ainda no âmbito da literatura de viagens, Fernando Clara detém-se na análise das polémicas e controvérsias que detectou em textos sobre Portugal publicados na Alemanha em finais do século XVIII e inícios do século XIX. No caso específico dos relatos de viagens são regra geral os prefácios, os posfácios e as notas de rodapé os locais em que essas polémicas e controvérsias se desenvolvem, em que, como se põe em relevo no presente artigo, se questiona, por vezes de forma muito veemente, ‘o valor da palavra’. Partindo dessa questionação, o autor tece pertinentes considerações sobre o valor epistemológico e literário deste tipo de literatura. Os dois últimos contributos, abrangendo grande parte, quando não a totalidade, do século XVIII, oferecem-nos exposições de carácter panorâmico, densamente informativas, respectivamente, sobre o estudo da literatura portuguesa na Universidade de Göttingen e a recepção da literatura e da cultura portuguesas na Alemanha. Hermann Krapoth começa por enquadrar os Estudos Portugueses no ensino das línguas e literaturas modernas, designamente no ensino das línguas românicas que se praticava numa universidade como a de Göttingen fundada no Século das Luzes, descrevendo os pressupostos institucionais e concepcionais desse ensino. De seguida, após referir a génese e evolução, em moldes científicos, da Historia Litteraria, salienta o interesse despertado pela literatura portuguesa na política de aquisição do acervo da Biblioteca da Universidade de Göttingen e, muito especialmente, o tratamento dessa literatura nas obras de três famosos professores da mesma Escola: Johann Andreas Dieze, Johann Gottfried Eichhorn e Friedrich Bouterwek. Finalmente, Dietrich Briesemeister, depois de uma breve referência à relativa escassez do intercâmbio luso-alemão durante o reinado de D. João V, traça um quadro pormenorizado da recepção que os principais eventos históricos, temas e obras portugueses suscitaram na Alemanha a partir da segunda metade do século XVIII, destacando não só a atenção dedicada a Portugal na historiografia, em enciclopédias e em manuais de Estadística, mas também, juntamente com as primeiras gramáticas, dicionários e vocabulários, as traduções de obras literárias que começam a surgir no último quartel de Setecentos, comprovativas de um interesse crescente pela literatura portuguesa, que culminará na recepção intensa de Os Lusíadas de Luís de Camões pelo Romantismo alemão nos inícios do século XIX. As páginas finais do volume incluem resumos em língua alemã de todos os artigos pela ordem do seu aparecimento na antologia, bem como notas biográficas sobre os respectivos autores. No conjunto dos quinze textos de carácter historiográfico, histórico-literário e/ou hermenêutico coligidos neste primeiro tomo, em que memórias históricas alternam ou se fundem com interpretações de imagens mais ou menos ficcionalizadas do Outro, é curioso notar o nítido predomínio de estudos incidentes na recepção de matéria portuguesa na Alemanha ou em obras alemãs. Quem bem souber ler notará igualmente que todos estes textos vêm abrir novas perspectivas, visto todos eles conterem sugestões preciosas para trabalhar num campo que continua a oferecer múltiplas possibilidades de pesquisa original.
Maria Manuela Gouveia Delille


Volume integrado na Colecção Minerva/CIEG
Dirigida por Maria Manuela Gouveia Delille


Na contracapa: A Germânia deplora o triste destino de Lisboa,
gravura alemã sobre o Terramoto de 1755.
© Museu da Cidade – Câmara Municipal de Lisboa




Índice geral

A. H. de Oliveira Marques
Os Germanos em Portugal (séculos V-XII): revisão do problema

Marília dos Santos Lopes
Os Descobrimentos Portugueses e a Alemanha

Jürgen Pohle
As relações luso-alemãs no reinado de D. Manuel I (1495-1521)

João José Alves Dias
A colónia alemã de Lisboa face à Inquisição: um olhar sobre o século XVI

Ana Maria Pinhão Ramalheira
A turquização da grande batalha africana de Alcácer Quibir na literatura volante alemã do século XVI

Erwin Koller
A propósito de mais um manuscrito do texto Der Portugalesische Krieg 
[A Guerra Portugalesa]

Marion Ehrhardt
D. Duarte de Bragança (1605-1649): um príncipe português na Guerra dos Trinta Anos na Alemanha

Maria Manuela Gouveia Delille
«Cordeiro inocente» ou «Vénus incasta»: duas representações femininas antinómicas nos inícios da recepção literária alemã do tema de Inês de Castro

Alexandra Pinho
Utilidade e deleite em duas descrições alemãs do Estado Português no início do século XVIII

Peter Hanenberg
Encontros luso-alemães nos Mares da Índia. Sobre o romance Die Insel Felsenburg [A Ilha de Felsenburg] de Johann Gottfried Schnabel



Títulos em preparação, em 2007, na mesma colecção:

Camões e D. Sebastião na Obra de Reinhold Schneider
Maria Cristina Carrington

«Magellan. Der Mann und seine Tat» de Stefan Zweig: Um Exemplo de «Biografia Moderna» dos Anos 30 sobre uma Figura Histórica Portuguesa
Maria de Fátima Gil

«Die Leiden des jungen Werthers» em Portugal até Finais do Primeiro Romantismo
Maria Antónia Gaspar Teixeira

Portugal-Alemanha: Memórias e Imaginários.
Segundo Volume: Séculos XIX e XX
Maria Manuela Gouveia Delille
(coordenação e prefácio)

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