Património de afectos e símbolos da vida académica, as repúblicas de Coimbra correm o risco de perder a sua identidade. O tema esteve em debate nas Terças-Feiras de Minerva.
Se nas repúblicas de Coimbra os jovens gozavam o seu tempo de excepção permissiva, se eram “espaços de alegria, fruição e boémia, de tertúlia e cantorias, de convívio e partidas”, elas eram, também, espaços onde o debate era provocado e onde era incentivada a crítica e a reflexão. As formas de “saber viver”, “saber fazer”, “saber dizer”, que naquelas “pequenas ilhotas democráticas se forjaram, constituíram-se armas de uma cultura da oposição”, o que veio a manifestar-se durante a crise académica. “As repúblicas contribuíram para o derrube da cartilha da ditadura. Na década de 60, colocaram-se nas lutas com os seus saberes, os seus haveres, o seu capital e assim contribuíram para as transformações políticas e sociais”, lembrou Teresa Carreiro, autora do livro “Viver numa República de Estudantes em Coimbra”. A investigadora foi a convidada para a penúltima sessão dedicada ao ciclo “Coimbra – Uma candidatura a Património Mundial”, iniciado em Setembro pela Livraria Minerva em colaboração com o Rotary Club de Coimbra Santa Clara.
Mais do que a herança histórica e do papel que teve na transformação social e política do Portugal de então, as repúblicas detêm hoje um património afectivo que marca todos os estudantes que por lá passaram. “Estamos perante uma sub-cultura juvenil. Há uma cultura inquieta, irreverente, uma cultura de vivência democrática. As repúblicas constituem um património de afectos.
São pedaços de história colectivos que o travo amargo do afastamento não destruiu”, referiu Teresa Carreiro. Prova disso foi a presença, na sessão, de quatro antigos repúblicos que falaram um pouco das suas vivências.
Rui Namorado, antigo repúblico dos “Pinguins”, por exemplo, lembrou que, na altura, havia a capacidade de “olhar para o outro o outro”. A república - acrescentou - “ensinava que cada um de nós não era tão importante quanto isso. Humanizava as coisas, dava-nos a capacidade de partilhar. O que havia de novo na crise de 69 era este ambiente”. Mesmo depois década de 70, mantinha-se o “forte espírito de entreajuda, de solidariedade, de socialização...”, recordou Manuel da Costa, que entrou para a República Baco em Janeiro de 1973. Hoje, no entanto, o antigo estudante lamentou a crescente descaracterização das repúblicas. “As pessoas deixaram de conversar. Perdeu-se, com isso, a amizade e a solidariedade”. A questão foi também levantada por Teresa Carreiro. “Como é que as repúblicas vão dar resposta à sua missão histórica? Como é que vão resistir a tantos alunos de Erasmus que lá se alojam?”.
Se hoje não apresentam a mesma vivacidade do passado, as repúblicas mantêm a defesa dos valores que as tornaram únicas, como a vida em comunidade e a defesa da democracia. E mantêm todo o património afectivo, resultante da liberdade de movimentos e do “lado festivo - às vezes dionisíaco - da vida”.
Patrícia Cruz Almeida
Diário As Beiras
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
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