sexta-feira, outubro 20, 2006

Ciclo “Coimbra – Uma candidatura a Património mundial” abordou edifícios do Estado Novo


O historiador Nuno Rosmaninho foi o terceiro convidado da Livraria Minerva e do Rotary Club de Coimbra Santa Clara no âmbito do ciclo “Coimbra – Uma candidatura a Património mundial”, com uma palestra subordinada ao tema “Que fazer ao património do Estado Novo?”.

Segundo Nuno Rosmaninho, uma candidatura a Património da Humanidade deve estar sempre assente na ideia de identidade. A Cidade Universitária de Coimbra é a intervenção urbanística mais significativa do regime salazarista. Foi levada a cabo entre 1941 e 1975, supôs uma intervenção urbana profunda e afirmou-se claramente como uma obra de regime, constituindo, a par dos tribunais, uma das melhores expressões da arquitectura de poder do Estado Novo.




“Se nos cingirmos aos edifícios principais vemos que existe um classicismo monumental totalitário”, afirmou. A própria arquitectura que resultou da construção da Cidade Universitária é muito específica e pode considerar-se uma arquitectura de poder, permitindo mesmo estabelecer um paralelo com obras de arte de outros regimes autoritários e totalitários.

Nuno Rosmaninho salientou dois modelos que tendem comummente a serem apresentados como a arquitectura do Estado Novo: “Por um lado esta arquitectura (tribunais e Cidade Universitária de Coimbra) e por outro a famosa casa portuguesa. Na realidade não temos que escolher nem uma nem outra. O Estado Novo apresenta, como é comum noutros regimes, várias linguagens arquitectónicas que como que exprimem diferentes ideologias que são inerentes ao regime”.

Assim, continuou, “a casa portuguesa exprime o ideário ruralista, bucólico, utilizado em edifícios como estações dos CTT, nalgumas Caixas Geral de Depósitos... mas nas obras em que o regime se apresenta no seu poder, onde a sua imagem está em causa, então o que pondera é este classicismo monumental totalitário”.




Tal como aconteceu na Alemanha nazi ou na União Soviética, também em Portugal não houve uma única linguagem do regime, mas tendencialmente quando aquilo que está em causa é o poder, assumiu-se o classicismo monumental.

Apoiando a sua intervenção numa apresentação multimedia, o historiador traçou a história deste tipo de arquitectura na Europa. No caso de Coimbra, o que predomina no seu classicismo é a ideia de saber. Nuno Rosmaninho falou ainda da arte da Cidade Universitária, nomeadamente os painéis de várias faculdades e as estátuas dos diversos edifícios.

Mas que mecanismos é que, afinal, o Estado pode usar para influenciar a arte e, neste caso, a arte arquitectónica? Para Nuno Rosmaninho esta é, sem dúvida, a questão mais difícil de perceber. “Porque a primeira tendência é para se ser mecanicista”, afirmou. “Aquela arquitectura existe porque o poder a impôs”. Mas o poder não desenhava os edifícios... Havia, por isso, várias circunstâncias e o Estado condicionava a mensagem artística de vários modos. Em primeiro lugar, e no caso hitleriano, considerando que a arte moderna é um crime contra o Estado e proibindo a acção dos arquitectos modernos. “E passava-se a mesma coisa no caso soviético, em que a arte moderna era burguesa e, portanto, também contra o regime”. Mas nos casos totalitários a questão era menos clara. No caso italiano houve mesmo um momento em que pareceu que a arte moderna poderia ser a arte do regime.




No caso português a questão foi mais complicada. “Dependia muito do ministro que tutelava as obras”, revelou Nuno Rosmaninho. Duarte Pacheco, recorde-se, gostava de riscar os desenhos dos arquitectos e, portanto, determinar de alguma forma o projecto.

“Mas a verdadeira escolha fazia-se seleccionando os arquitectos. Essa é a questão fundamental”, assegura. E, no caso de Coimbra, “condicionando esses arquitectos por um arquitecto geral”. E há um outro aspecto importante que Nuno Rosmaninho salientou. É que quando um escultor, um arquitecto, aceitava trabalhar para o Estado, já sabia ao que ia e, portanto, antecipava as exigências, procurando responder a elas.
“Havia à partida uma predisposição”.


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